Sílvia Padinha, a mulher que travou os franceses
Como os franceses passam mal sem ostras, os produtores de Arcachon descobriram que Portugal tem condições excelentes para produzir esses bivalves. E com crescimentos rápidos. Vai daí tentaram comprar concessões na Culatra. Quem não gostou da ideia foi Sílvia Padinha, que defendeu com inteligência a natureza e os interesses dos habitantes da ilha.
Num país com poucos líderes carismáticos, Sílvia Padinha é uma personagem rara porque junta inteligência, visão estratégica e eficiência na defesa de uma população e do ecossistema onde vive.
Presidente da Associação dos Moradores da Ilha da Culatra (AMIC), na ria Formosa, foi ela que, com responsáveis da associação e outros habitantes locais, arquitectou, em 2013, a construção de um heliporto clandestino. Arranjou quem fizesse os cálculos de engenharia, conseguiu cimento, ferro e até um sistema de iluminação, tudo de borla. Depois, de uma noite para o dia, juntou a população da ilha – com uns comes e bebes pelo meio para animar a malta – e lá se construiu o heliporto com 70 toneladas de betão. Passo seguinte, comunicar às autoridades a obra. Consequência imediata: processo em tribunal. Arquivado o mesmo, hoje o heliporto salva vidas na Culatra e impede, por exemplo, nascimentos à “volta da bóia”.
Sílvia vive para a defesa dos habitantes da ilha da Culatra, mas em ligação harmoniosa com a natureza. “Esta é uma ilha de pescadores e queremos que estes continuem a viver da pesca – da pesca artesanal local e dos viveiros –, mas em equilíbrio com um ecossistema que é tão rico quanto frágil.”
“Por que razão não haveríamos de produzir ostras?”
Há cerca de 15 anos começaram a chegar ostricultores franceses, encantados pelo facto de, em Portugal, se demorar metade do tempo para fazer uma ostra por comparação com as produções de Arcachon. Bastam 18 meses para se produzir uma ostra em Portugal.
E, no caso da ilha da Culatra, pretendiam comprar as concessões dos viveiros familiares da amêijoa-boa. Tendo em conta o que aconteceu em Arcachon (produções intensivas e as consequentes contaminações com vírus), tendo em conta a forma de trabalhar (mão-de-obra imigrante explorada por empresas de trabalho temporário) e tendo em conta a probabilidade de as famílias da Culatra perderem uma importante fonte de rendimentos (os viveiros de amêijoa são “mealheiros” quando os pescadores não podem ir ao mar), Sílvia Padinha e a AMIC desencadearam um processo para que os donos das concessões – e em especial os filhos – se dedicassem à produção de ostras, de forma a defenderem a economia familiar e os habitat. “Já que os franceses descobriram que a ria tem excelentes condições para produzir ostras, por que razão não haveríamos nós de produzir essas ostras?”, perguntou a dirigente. Resultado: hoje, há 25 famílias a produzir ostras na ilha da Culatra, sendo que há dez projectos geridos por jovens.
De início, toda a gente estava dependente da tecnologia dos franceses. Hoje, e já com algum conhecimento próprio instalado ao nível da produção, os franceses limitam-se a comprar as produções locais. Nem sempre pagando o justo pela matéria-prima que, para não variar, chega depois aos mercados internacionais com margens especulativas consideráveis. E, claro, nenhuma referência à origem do produto.
Seja como for, a ideia de repartir as concessões por duas áreas de produção (amêijoa-boa e ostra) é hoje responsável pela criação de riqueza, pela manutenção da cultura piscatória e pela manutenção dos equilíbrios ambientais na ilha da Culatra. O que faz falta? A criação de uma marca e educar os portugueses para o consumo de ostras, um bivalve que é bom nutricionalmente e, acima de tudo, bem mais barato do que a amêijoa. Mas isso são outros quinhentos.
Em busca da ostra de categoria extra especial
Aos 24 anos, Miguel Buchinho é um exemplo perfeito do plano de Sílvia Padinha. Filho de pescador que já tinha concessão na ria, com o abandono da universidade viu na produção de ostras uma oportunidade. Trabalha bastante, porque as ostras são melindrosas (ao mínimo descuido perde-se tudo), mas está confiante de que daqui a algum tempo poderá retirar 40 mil euros de lucro por ano. Isto numa área de 1,5 hectares na ilha da Culatra. “Para alguém com a minha idade e só com o 12.º ano, acho que esse é um bom rendimento”, diz Miguel.
Apesar de ter tido apoio do programa Mar 2020, “o arranque do processo exige investimento porque os materiais são muito caros” e quase sempre dominados por empresas francesas.
E é o mercado francês que absorve quase toda a produção nacional de ostras, sem que, misteriosamente, alguma entidade nacional seja capaz de a contabilizar com rigor.
Miguel trabalha exclusivamente para a produção de uma ostra na categoria especial – vendida a 3,25 o quilo – e está a tentar chegar à extra especial, mas essa requer mais cuidados. “Pode ser que, com os sacos novos com flutuadores, consiga um dia essa ostra perfeita.”