Há crianças de sete e oito anos que chegaram a Ceuta e só pedem para voltar a casa
Entre as 9000 pessoas que passaram a fronteira nos últimos dias, há meninos e meninas que não queriam estar ali. Autoridades espanholas tentam responder a uma situação inédita.
Muitos adolescentes, mas também muitas crianças de sete, oito e nove anos. Meninos e meninas que choram e pedem para voltar a casa, sem saberem explicar muito bem como ali foram parar. Começaram a chegar a Ceuta desde segunda-feira vindos de Marrocos. Reduan tem 14 anos e, quando os jornalistas do El País o encontraram, tinha acabado de chegar, a nado, pela segunda vez esta semana. “Fê-lo na segunda-feira e assegura que no dia seguinte o obrigaram a voltar (…). Perdido, descalço e com o seu uniforme rosa do ‘Barça’ empapado, os militares disseram-lhe que esperasse que alguém da Cruz Vermelho o fosse atender”, escreve o jornal. “O rapaz tremia de frio e pedia comida.”
Entre as 9000 pessoas que as autoridades espanholas estimam ter chegado à cidade autónoma do Norte de África desde segunda-feira, havia na quarta-feira 720 crianças e adolescentes sozinhos registados. A organização não governamental Save the Children estimava que seriam 1500, mas um responsável ouvido pelo El País afirma que são entre 2000 e 3000. Ninguém sabe: no meio da maior chegada de pessoas ao enclave num tão curto período de tempo, a certa altura deixou de se contar, admite o responsável.
Reduan foi um dos sortudos. Na quarta-feira teve lugar num armazém improvisado para receber os mais pequenos – só esses, os 720, foram registados. Outros estariam já noutros abrigos e edifícios industriais. Mas na última noite continuavam a ser muitos os que erravam pelas ruas da cidade, sem dinheiro ou comida, e os que dormiram em parques ou fábricas abandonadas, descrevia a televisão espanhola Antena 3.
“São meninas e meninos muito pequenos que se viram envolvidos numa situação que não queriam”, diz ao jornal online infoLibre a directora-geral da Infância, Violeta Assiego, da equipa da ministra dos Direitos Sociais, Ione Belarra. Alarmada, a Direcção de Menores de Ceuta alertou o ministério, que se ocupa agora da situação destas crianças. Muitas têm sete, oito e nove anos e choram, pedindo desesperadamente para voltar ao seu país, para perto das suas famílias, escreve o infoLibre.
“Não sabemos exactamente o motivo que as fez acabar por cruzar a fronteira sem ter intenções de imigrar ou de se separar das suas famílias”, diz Assiego. “Enganaram-se ou deixaram-se levar… O que está claro é que não estamos perante crianças migrantes, mas crianças vítimas de uma crise humanitária.”
Face a uma situação absolutamente inédita e “de uma complexidade incrível”, Assiego afirma que está a ser preparado um reforço especial dos serviços consulares de Ceuta para assistir a todos os que pedem para se reencontrar com as famílias, para que possa ser analisada “cada circunstância, onde querem ir, com quem, porquê”.
Alguns pais não sabem dos filhos e têm tentado obter informações no posto fronteiriço: para esses foi já criado um número de telefone especial. Entretanto, os jornalistas em Ceuta cruzam-se com habitantes da cidade de fotografia em punho – uma mãe conhecida ou amiga de amigos que lhe ligaram de Marrocos a pedir que procure um filho desaparecido – ou com irmãos mais velhos que também chegaram por estes dias à procura dos mais pequenos.
Sabe-se que Marrocos deixou de patrulhar a fronteira de forma habitual em finais de Abril e que se espalhou a notícia de que se podia passar. Rabat queria provocar esta entrada maciça e assim pressionar Espanha e a União Europeia por causa das suas reivindicações de soberania sobre o Sara Ocidental – há organizações sarauís que falam mesmo em autocarros que as autoridades terão organizado para trazer jovens até perto de Ceuta.
Para além de marroquinos, a maioria, chegaram à cidade espanhola muitas pessoas de países da África subsariana que aguardariam em Marrocos uma oportunidade para passar a fronteira. Não é possível saber por que motivo tantas crianças e adolescentes fizeram a viagem, mas é fácil imaginar que nas cidades marroquinas mais próximas a crise económica duramente agravada pela pandemia fizesse de muitos presas fáceis para provocar a pressão desejada.