O que é a perturbação de hiperactividade e défice de atenção? Serão só bichos-carpinteiros?
O reconhecimento dos sintomas desta perturbação tem mais de 200 anos. Em 1845, já era apresentada em livros educacionais e, em 1902, foi publicado o primeiro trabalho científico sobre esta perturbação.
A perturbação de hiperactividade e défice de atenção (PHDA) manifesta-se por sintomas de défice de atenção, hiperactividade e impulsividade, que são persistentes e suficientemente intensos para prejudicar o desempenho das tarefas diárias, em casa e na escola. Além disso, esta patologia coexiste, por vezes, com outras perturbações do neurodesenvolvimento, como o autismo ou a dislexia.
A PHDA afecta entre 5 a 7% das crianças em idade escolar e é mais comum em rapazes do que em raparigas. Uma vez que não existem exames ou análises que identifiquem a PHDA, o diagnóstico só pode ser realizado por um médico com experiência (pedopsiquiatra, pediatra ou psiquiatra) e baseia-se numa avaliação clínica e comportamental.
Hoje em dia, a PHDA é uma realidade reconhecida na nossa sociedade. Contudo, a variabilidade na intensidade de sintomas, as dificuldades de diagnóstico, o estigma e os receios sobre as medicações prescritas a crianças, continuam a criar alguma desconfiança. Assim, é importante desmistificar algumas questões e explicar para onde avança a investigação nesta área.
A PHDA é uma “doença nova”? Existem agora mais casos?
A PHDA não é uma “doença nova” ou uma “moda”. O reconhecimento dos sintomas de PHDA existe há mais de 200 anos. Em 1845, a PHDA já era apresentada em livros educacionais e, em 1902, foi publicado o primeiro trabalho científico sobre esta perturbação. Um estudo recente, em que foram aplicados critérios de diagnóstico padronizados, mostra que não existem evidências de um aumento de incidência de PHDA nos últimos 30 anos. Contudo, a crescente sensibilidade para esta perturbação e os avanços no diagnóstico têm permitido identificar mais casos em anos recentes.
A PHDA tem cura?
Actualmente não existe cura, mas existem tratamentos baseados em medicamentos estimulantes, como por exemplo o metilfenidato ou a lisdexanfetamina, e não estimulantes, como a atomoxetina. Parte das crianças com PHDA que tomam regularmente a medicação passam a conseguir realizar as actividades do dia-a-dia. Para além do tratamento farmacológico, o acompanhamento por psicólogos pode ajudar a definir estratégias de organização e melhorar a auto-estima.
A medicação altera o cérebro da criança?
A medicação não altera permanentemente o curso da perturbação e, de facto, quando é suspensa, os sintomas reaparecem. Apesar dos efeitos benéficos em muitas crianças, e como qualquer outro fármaco, esta medicação pode ter efeitos secundários que devem ser reportados e avaliados pelo médico.
A PHDA afecta apenas crianças?
As crianças com PHDA tornam-se, em cerca de metade dos casos, adultos com PHDA. No entanto, existem múltiplos exemplos de indivíduos bem-sucedidos que conseguem superar as dificuldades impostas pelos sintomas e encontrar estratégias que maximizam as suas qualidades.
Como funciona o cérebro das pessoas com PHDA?
Não existem dados conclusivos sobre a existência de modificações estruturais no cérebro de pessoas com PHDA. Contudo, alguns trabalhos de investigação identificaram alterações na activação do córtex pré-frontal, dos núcleos da base e do cerebelo, zonas do cérebro associadas ao controlo da impulsividade e da actividade motora. Para além disso, pensa-se que na PHDA existe uma desregulação dos níveis de dopamina, uma molécula que modula a actividade dos neurónios.
O que causa esta perturbação?
Esta é uma área de investigação actual sobre a qual ainda se sabe pouco. Os dados mais recentes apontam para a existência de influências genéticas e ambientais. Contudo, tal como se tem vindo a perceber para várias perturbações do neurodesenvolvimento, não existe uma origem única. Dentro das várias possibilidades podemos salientar a correlação entre as doenças auto-imunes e alérgicas, e distúrbios metabólicos com o desenvolvimento da PHDA.
O que esperar no futuro?
Dada a elevada incidência da PHDA, é importante perceber melhor o que leva ao seu aparecimento. Apesar da informação crucial obtida através dos estudos epidemiológicos, é necessária mais investigação fundamental. Para isso, é preciso ultrapassar algumas limitações associadas aos modelos de estudo disponíveis. No Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra (CNC) estamos a investigar se moléculas associadas a respostas alérgicas podem alterar o cérebro e levar ao aparecimento de comportamentos típicos de PHDA em ratinhos. Uma compreensão da origem biológica da PHDA irá possibilitar a mitigação dos factores de risco e o desenvolvimento de terapias mais eficazes.
Autores: Ana Luísa Cardoso (CNC), Joana Guedes (CNC), João Peça (CNC e Departamento de Ciências da Vida da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (DCV)), Joaquim Cerejeira (Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, ou FMUC) e Centro Hospitalar da Universidade de Coimbra (CHUC), Pedro Ferreira (DCV e CNC), Sara Pedroso (CHUC) e Viktoriya Shkatova (FMUC).
Ilustração: André Caetano
Produção e revisão: Marta Quatorze e João Cardoso
Coordenação do projecto: Sara Varela Amaral