Eleições de Novembro foram “representativas da vontade do povo da Birmânia”, diz relatório
Segundo a Rede Asiática para Eleições Livres, a junta militar não respeitou a Constituição e “pôs um travão no processo eleitoral e andou para trás cinco anos na democracia embrionária do país”.
A junta militar justificou a destituição do Governo eleito nas eleições de Novembro de 2020 com alegada fraude eleitoral, reprimindo a população birmanesa que ainda hoje contesta nas ruas. O relatório da Rede Asiática para Eleições Livres (ANFREL, na sigla inglesa), publicado esta segunda-feira, mostra o contrário: as eleições “foram, no geral, representativas da vontade do povo da Birmânia”.
A ANFREL contou com mais de 400 observadores nas eleições de Novembro, quando o partido liderado por Aung Sang Suu Kyi, a Liga Nacional para a Democracia (LND), ganhou a maioria dos votos de forma legítima. Também o Centro Carter, baseado nos EUA, que observou as eleições do ano passado, considera que os “eleitores puderam expressar livremente a sua vontade”, citou a Reuters.
“Apesar da pandemia provocada pela covid-19, 27,5 milhões de pessoas votaram graças ao trabalho árduo das equipas que recolherem e contaram os votos e das autoridades de saúde. As suas vozes não podem ser silenciadas”, lê-se no relatório do observador eleitoral asiático.
A organização condena a tomada “indefensável” de poder dos militares que “pôs um travão no processo eleitoral e andou para trás cinco anos na democracia embrionária do país" por não permitir que a comissão eleitoral revisse as queixas, “obstruindo o processo de resolução de disputa eleitoral previsto na lei”.
Myanmar’s election last year reflected the will of the people and the army was unjustified in seizing power, international monitoring group ANFREL said in its final report. https://t.co/fgCsSV0pyc #WhatsHappeningInMyanmar pic.twitter.com/FDV9XHXYN1
— Matthew Tostevin (@TostevinM) May 17, 2021
As Forças Armadas também contornaram a Constituição de 2008, que prevê a realização de eleições no espaço de um ano em situações de estado de emergência por ameaças de “desintegração”, por anunciarem eleições apenas dois anos depois do golpe. A ANFREL apela “ao retorno de um Governo civil” e espera que o “processo democrático seja retomado o mais cedo possível”.
Ignorando os quase 30 milhões de votos, a Junta tem reprimido com violência a contestação popular que saiu à rua nos últimos três meses, sem sinais de abrandar. Têm sido reportadas “inúmeras alegações e provas de crimes contra a humanidade, incluindo detenções arbitrárias, desaparecimentos forçados e tortura” e o último relatório da Associação de Assistência a Presos Políticos contabiliza 802 mortes e 4120 detidos.
A situação deixou o país numa posição economicamente frágil, ameaçando retroceder nas conquistas dos últimos 15 anos: acesso a serviços básicos, desenvolvimento e democratização. Até ao final do ano, a ONU estima que mais de metade da população birmanesa pode cair na pobreza e passar fome.
Aquando das eleições, algumas “irregularidades” foram detectadas. Por isso, não foram consideradas “totalmente livres ou justas como em 2015”, segundo a ANFREL - um marco histórico na democracia do país depois de décadas de regime militar, também quando o LND liderado por Suu Kyi obteve mais votos.
Parte dos entraves resultaram da pandemia, que restringiu as campanhas políticas e o acesso a algumas localidades, e até impactou sua cobertura noticiosa. No ano passado assistiu-se também a um aumento da violência relacionado com as eleições, em comparação com 2015.
Escrito antes do golpe militar, o relatório inclui ainda recomendações para um melhor funcionamento democrático do país, apontando para a presença pouco democrática dos militar no Parlamento, nas lacunas de representação e acesso dos grupos étnicos e minorias e para conflitos entre grupos armados.