Progressistas abalam certezas do Partido Democrata sobre o Médio Oriente
Em poucos anos, a posição do Partido Democrata sobre a ocupação dos territórios palestinianos deixou de ser largamente consensual. Uma nova geração de progressistas, marcados pela união entre Donald Trump e Benjamin Netanyahu, exige ao Presidente Biden que também condene Israel.
A aposta de Barack Obama na assinatura de um acordo sobre o programa nuclear do Irão, em 2015, seguida da eleição de Donald Trump e de uma reacção progressista no campo oposto, entre 2016 e 2018, estão a provocar uma mudança histórica no posicionamento do Partido Democrata sobre o conflito entre israelitas e palestinianos.
Essa mudança ficou patente na última semana, na forma como a ala progressista do Partido Democrata – muito reforçada nas eleições de 2018 para o Congresso dos EUA – furou a tradicional união na política norte-americana à volta da ideia de que o conflito israelo-palestiniano deve ser visto apenas como uma questão de política externa e de segurança nacional.
Na quinta-feira, depois de o Presidente Joe Biden ter afirmado – tal como todos os seus antecessores – que “Israel tem o direito a defender-se”, deixando de fora qualquer crítica ao Governo de Benjamin Netanyahu, vários congressistas do Partido Democrata exigiram à Casa Branca que assuma uma nova postura perante o conflito, muito mais dura com Israel.
“Os Estados Unidos têm de reconhecer o seu papel na injustiça e nas violações dos direitos humanos dos palestinianos”, disse a congressista Alexandria Ocasio-Cortez, uma das principais figuras da ala progressista do Partido Democrata.
Questionando a posição oficial de que Israel – e só Israel – “tem direito a defender-se”, a congressista de Nova Iorque desafiou o Presidente Biden: “E os palestinianos têm o direito a sobreviver? Acreditando nisso, temos a obrigação de agir.”
Mudança em curso
É pouco provável que a pressão da ala progressista do Partido Democrata consiga levar Biden a cortar um dos pilares da política externa norte-americana, mas não é difícil antecipar uma mudança profunda nos próximos anos, à medida que o chamado establishment do partido vai fugindo cada vez mais do centro para a esquerda.
Afinal, a primeira vez que Barack Obama apoiou em público o casamento entre pessoas do mesmo sexo foi há menos de uma década, em 2012; e poucos imaginavam, em Novembro de 2020, que as propostas de Joe Biden para enfrentar as novas crises económicas viessem a ser comparadas às dos seus antecessores mais reformistas, como Franklin D. Roosevelt ou Lyndon B. Johnson.
“A base do partido está a caminhar numa direcção oposta à do establishment”, disse ao New York Times James Zogby, fundador do Instituto Árabe-Americano. “Para quem apoia o movimento Black Lives Matter [As vidas dos negros também importam], não é muito difícil defender que as vidas dos palestinianos também importam.”
No mesmo texto, Zogby recorda que há três décadas, na convenção do Partido Democrata em que Michael Dukakis foi nomeado como candidato à Casa Branca, o partido recusou-se a incluir na sua plataforma política a defesa da soberania palestiniana.
“Basta que a palavra começada por P [Palestina] esteja na plataforma para se instalar o caos”, disseram os líderes do Partido Democrata na altura.
"Politização” do apoio a Israel
Três décadas depois, até alguns dos mais conhecidos defensores de Israel no Partido Democrata, como o senador Chris Murphy, começam a incluir uma palavra para os palestinianos nas suas declarações.
“Estamos nesta situação porque o Hamas cometeu o terrível erro de disparar rockets em direcção a Israel sem ter sido provocado”, disse Murphy ao site Politico. “Mas também estamos nesta situação porque o Governo israelita eliminou, na prática, qualquer perspectiva de futuro para um Estado palestiniano viável.”
Em parte, o fim do consenso no Partido Democrata sobre o conflito israelo-palestiniano foi selado com aquilo a que Halie Soifer – uma ex-conselheira da vice-presidente dos EUA, Kamala Harris – chama “a politização do apoio a Israel pelo Presidente Trump”.
Depois de quatro anos de identificação total entre Trump e Netanyahu (beneficiário de decisões históricas como o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel), a defesa de Israel traz à memória, na ala progressista do Partido Democrata, a reacção do ex-Presidente dos EUA ao atropelamento mortal de uma manifestante anti-racista por um supremacista branco em Charlottesville, na Virginia, em 2018 – a de que “há gente boa nos dois lados”.