Moradores da Granja dispostos a recorrer aos tribunais para impedir construção de “mamarracho”
Obras de renovação na linha de comboios prevêem a construção de uma passagem superior com 10 metros de altura, que um movimento de cidadãos diz descaracterizar a vila histórica. Eduardo Vitor Rodrigues considera a solução “boa do ponto de vista da engenharia e da acessibilidade”.
O plano de intervenção delineado pela Infraestruturas de Portugal (IP) para a modernização da Linha do Norte, entre Espinho e Gaia, alterou o projecto já aprovado em 2010, que previa a construção de um túnel na estação da Granja. O plano actual, a que a Câmara Municipal de Gaia deu parecer favorável, aponta para a edificação de uma passagem pedonal superior, com elevadores, para substituir as passagens de nível actualmente existentes. O movimento de cidadãos Praia da Granja, Cidadãos defende a solução subterrânea de 2010 e diz que os moradores não foram auscultados sobre esta nova versão.
Só “quando colocaram as placas da obra é que percebemos que algo se passava”, diz Joana Cunha, um dos rostos do movimento. No chão da parte norte da estação já são visíveis as marcas que delimitam o futuro estaleiro, sinal de que o início da obra está iminente. Apesar disso, os moradores querem primeiro esgotar as vias de diálogo com os decisores, antes de avançar com uma providência cautelar que impeça o arranque dos trabalhos.
O grupo, que diz ser uma voz apartidária representativa de pessoas de vários estratos sociais e grupos profissionais, garante ter enviado à Câmara, há cerca de um mês, um pedido para ser recebido. Não obtendo resposta, decidiu lançar uma petição, dirigida ao Presidente da Câmara de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues. O texto, que já foi subscrito por mais de 900 pessoas, sublinha o “brutal impacto visual sobre a envolvente” que a obra irá ter.
Vítor Rodrigues, em declarações ao PÚBLICO, admite a legitimidade deste tipo de reivindicações mas põe em causa a representatividade do movimento: “Isto é o fruto de um impulso de pessoas, que aparentemente representam um movimento, mas que localmente não representa movimento nenhum”. Gonçalo Pina, um dos signatários da petição discorda e não tem dúvidas que a “esmagadora maioria” das centenas de subscritores da petição são moradores da Granja.
O projecto, segundo o autarca de Gaia, esteve em consulta pública em duas ocasiões: em 2011, quando foi feita a primeira versão, e em 2015, quando ficou concluído o novo desenho da obra. O autarca lamenta que estes contributos não tivessem sido dados na altura própria, e dá o exemplo do que sucedeu em Miramar, em que “os moradores levantaram questões e algumas foram consideradas”.
“Isso já não se usa”
Eduardo Vitor Rodrigues não tem dúvidas sobre as vantagens da proposta definida pela IP, que considera “boa do ponto de vista da engenharia, da acessibilidade para todos”. Vinca que o atravessamento em túnel é um tipo de solução que já foi abandonado nas principais cidades europeias: “Isso já não se usa, já não existe”.
O subterrâneo pode tornar-se perigoso para os utilizadores, sobretudo durante a noite, “em meios que não são densamente povoados” - como é o caso da Granja - e “sem proximidade de esquadras”. Ao fim de algum tempo, acrescenta o autarca, estes espaços começam a ser “utilizados como verdadeiras casas de banho ou depósitos de maus comportamentos, e até de alguns consumos indesejáveis”. Por tudo isto, a construção em túnel é uma solução “inaceitável”.
O movimento de cidadãos contesta, e não compreende porque, sendo assim, em Valadares está a ser equacionada uma solução subterrânea: “Nas estações com cais central a solução habitual é o túnel”, diz Vasco Sousa. Uma travessia como a que está ser pensada “não é funcional e tem um enorme impacto estético”.
Vão construir aqui um “verdadeiro mamarracho”, lamenta o empresário residente na Granja, defendendo uma solução desnivelada e sem impacto visual que preserve o “património cultural, paisagístico e arquitectónico da estação e da envolvente urbana”.
Com a supressão das passagens de nível, serão construídos túneis para circulação exclusiva de carros. A linha férrea será vedada para impedir a travessia à superfície de peões e ciclistas. Se o plano actual avançar, a mobilidade entre os dois lados da vila ficará seriamente afectado, alertam os membros da Praia da Granja, Cidadãos, com impacto particular nos serviços e em duas IPSS localizadas junto à estação, que têm vários utentes com mobilidade reduzida.
Estes moradores dizem-se “apaixonados pela Granja”, uma localidade que, do seu ponto de vista, foi há muito “abandonada” e “hostilizada pela autarquia”. Prometem, assim, continuar a defender as suas posições. Neste momento, estão a aguardar a concretização de uma reunião com a IP, com quem têm mantido contactos. O presidente da Câmara, porém, é taxativo: “O assunto está ultrapassado” e “não vai ser discutido”.
Texto editado por Ana Fernandes