Cerca de 40% dos portugueses pagam por saúde privada por falta de resposta do SNS
Antigo ministro da Saúde lembrou que a Constituição “dá a garantia de cuidados de saúde tendencialmente gratuitos” em Portugal. Apesar disso, cerca de três milhões de portugueses têm seguros de saúde privados, disse.
O ex-ministro da Saúde, Luís Filipe Pereira, alertou esta terça-feira que cerca de 40% da população portuguesa paga por cuidados de saúde no sector privado, por falta de resposta atempada do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
“Temos cerca de 40% da população portuguesa, de forma generalizada, pagando os serviços de saúde no sector privado, num país em que a Constituição nos dá a garantia de cuidados de saúde tendencialmente gratuitos”, afirmou o ex-governante num debate promovido pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, em parceria com a Sociedade Portuguesa de Gestão de Saúde, sobre o futuro do SNS.
Para Luís Filipe Pereira, que liderou o Ministério da Saúde entre 2002 e 2005, apesar desta garantia constitucional, cerca de três milhões de portugueses têm seguros de saúde privados, dos quais 1,1 milhões “pagam do seu bolso e os restantes são as empresas que pagam”.
“Grande parte das pessoas vão ao sector privado porque o SNS não lhes dá resposta no tempo e no prazo que elas carecem”, sublinhou o economista, ao alertar também para a questão “estrutural do acesso” aos cuidados de saúde.
“Eu herdei 123 mil pessoas em listas de espera, em 2019 tínhamos 252 mil pessoas. No meu tempo tinha 7,3 mil milhões de euros de Orçamento. No final de 2019, eram 11 mil milhões e o número de listas de espera aumentou”, disse Luís Filipe Pereira, para quem essa é também uma “discriminação grave” por afectar as pessoas com menos rendimentos.
Perante isso, o antigo ministro defendeu a “absoluta necessidade de evolução para um novo modelo, de forma prática, gradual e reformista”, que permita introduzir reformas estruturais no actual modelo, mas sem alterar as garantias de cuidados de saúde à população.
“A dicotomia fundamental não é se é público ou privado. É se serve ou não serve a população com custos aceitáveis para todos nós como contribuintes”, através de uma evolução do Serviço Nacional de Saúde para um Sistema Nacional de Saúde que preveja a coexistência de prestadores público, privado e social.
Já para Adalberto Campos Fernandes, que também participou no debate, a questão do SNS não é um “problema de gestão, mas sim de estratégia”, salientando que o SNS foi o “refúgio de segurança dos portugueses” durante a actual pandemia da covid-19.
“Mas não estamos num tempo de trincheiras ideológicas e de defender uma política de muros”, considerou o ex-governante, ao salientar que Portugal tem hoje indicadores de saúde que, de uma forma geral, “não pararam de melhorar, o que é mérito de todos os governos de centro-direita e de centro-esquerda”.
“Hoje temos uma enormíssima preocupação com os muitos milhares de doentes que ficaram para trás [devido à pandemia] porque os serviços de saúde deixaram de responder e deve haver a elasticidade para o futuro de, mantendo o vértice das políticas públicos no SNS, não temos de ter nenhuma dificuldade, em nome do interesse público, de chamar a colaboração os outros sectores”, preconizou.
Para Paulo Macedo, que assumiu a pasta da Saúde entre 2011 e 2015, os cerca de 1380 milhões de euros previstos para a saúde no Plano de Recuperação e Resiliência constituem “um dos maiores investimentos de sempre” nesta área, mas não é conhecido o retorno dos investimentos previstos.
“O que é certo é que é um dos maiores investimentos de sempre outra vez na saúde. Não vai haver muitas outras possibilidades de ter mais de 1.300 milhões extra. A perspectiva devia ser é que retorno é que há, como vão ser gastos e que investimento vai ser feito”, disse Paulo Macedo, para quem uma das lições da pandemia foi a necessidade de uma maior cooperação nesta área a nível europeu.
Já para a antiga ministra Maria de Belém Roseira, a covid-19 veio mostrar a importância da Saúde, não apenas como área política, mas também na perspectiva geopolítica.
“Vimos o que custou não haver reservas estratégicas, o que custou não haver todo um conjunto de preparação política para abordar uma matéria que teve um impacto global e vimos também, em termos desenvolvimento económico, o que custou paragem determinada pela pandemia”, disse.
Nesse sentido, considerou que a pandemia da covid-19 mostrou uma vontade da União Europeia de ter uma intervenção maior nesta área, porque o bloco comunitário “percebeu que precisa de mais competências para ter uma vocação para ser um autor global” na área da saúde.
“Esta pandemia veio mostrar que a questão da saúde tem uma vertente e uma força geopolítica que não pode ser descurada”, sublinhou Maria de Belém Roseira.