“Mais perigoso do que o Chega é a contaminação do PSD pelas ideias” da extrema-direita, diz Costa
Em entrevista ao JN, TSF e DN, António Costa afirma que não é “bom para a democracia que o PSD entre nesta deriva de namoro com o Chega” e aborda cautelosamente a Operação Marquês.
O primeiro-ministro, António Costa, mostra-se preocupado com a aproximação do PSD à extrema-direita, não poupando nos ataques a Rui Rio e à contaminação do PSD pelas ideias do Chega. Em entrevista ao JN, TSF e DN, António Costa afirma mesmo que não é “bom para a democracia que o PSD entre nesta deriva de namoro com o Chega” e aborda cautelosamente a Operação Marquês, embora critique o julgamento de José Sócrates na praça pública.
A conversa sobre a aproximação do PSD à extrema-direita surge, aliás, no seguimento de uma questão sobre a possibilidade de a Operação Marquês contribuir (ainda que indirectamente) para o crescimento dos fenómenos extremistas em Portugal. A resposta foi clara: “Qualquer ideia de que na vida política existe uma prevalência de situações de corrupção obviamente enfraquece a democracia, o sentido de representação dos cidadãos no espaço político.”
António Costa acrescenta que Portugal tem, “para o bem e para o mal, um sistema de Justiça que não tem comparação no Mundo, na sua garantia de independência” e que “quer a magistratura judicial quer a magistratura do Ministério Público actuam sem qualquer tipo de interferência do poder político”. “Isto é uma garantia muito importante para a sanidade da nossa democracia”, diz, ressalvando, porém, que “para que isso aconteça é fundamental que todos respeitemos essa independência do poder judicial”.
É aqui que parte para o ataque ao PSD. O primeiro-ministro mostra-se “perplexo com a facilidade com que alguns políticos comentam as decisões judiciais como os adeptos de um clube de futebol comentam a actuação de um árbitro”. “Essa degradação do distanciamento da relação dos políticos com a Justiça é uma ameaça perigosa à independência do poder judicial. E eu fico perplexo quando vejo a forma totalmente normal como se ouvem as propostas que o dr. Rui Rio vai apresentando para a Justiça, são uma ameaça efectiva”, afirma.
António Costa chega mesmo a comparar Rui Rio a um catavento, afirmando que este instrumento “pelo menos tem pontos cardiais”. Já o líder do PSD “diz coisas [em] que nem tem noção do que está a dizer em matéria de Justiça”.
“O dr. Rui Rio apareceu na liderança do PSD como querendo disputar o centro ao PS e agora já está naquela fase de disputar a direita ao Chega. E muito mais perigoso do que o Chega é a contaminação do PSD pelas ideias do Chega. E essa contaminação surge quer no estilo de intervenção política, quer no conjunto de propostas que apresenta, quer nesta incoerência onde se diz tudo o que é popular. E isto é o que é mais perigoso nestes partidos de extrema-direita, é que vão-se infiltrando, não é organicamente, mas vão condicionando politicamente os partidos da direita democrática”, prossegue.
Embora o primeiro-ministro garanta ter “capacidade de falar com toda a gente” e “nunca fechar a porta a nada”, destaca que “há limites para tudo”.
“Este PSD tem de saber o que é que quer ser. O PSD nem sequer se aproxima do PS para qualquer entendimento. O PSD afastou-se do centro, desistiu de disputar o centro com o PS e a única coisa que agora quer disputar é ali 2 ou 3% dos votos com o Chega. Já está entendido com eles nos Açores, já importou uma senhora do Chega para candidata à Câmara da Amadora, propõe-se ser os baluartes do ataque à independência das magistraturas, é contra o salário mínimo nacional”, acrescenta.
Esta aproximação do PSD ao Chega pode até ser favorável ao PS do ponto de vista táctico, uma vez que “quanto mais à direita [o PSD] se encostar, mais campo livre fica para que o centro se sinta inclinado para o PS.” No entanto, pode ter consequências graves para a democracia, adverte: “Não acho que seja bom para a democracia que o PSD entre nesta deriva de namoro com o Chega e de esbatimento daquilo que são cordões sanitários que têm de existir entre a direita democrática e a extrema-direita. Preferia ter menos votos ao centro e um PSD que se mantivesse no seu lugar de sempre, na direita democrática, do que esta deriva insana em que o PSD agora entrou, porque não é saudável para o futuro da democracia”, diz.
Operação Marquês
A propósito das declarações da procuradora jubilada Maria José Morgado, que afirmou que o poder político se tem desresponsabilizado do ponto de vista ético nos crimes que são particulares do cargo, António Costa explica que “a ideia de que ‘à política o que é da política e à justiça o que é da justiça’ não é uma forma de desresponsabilizar a política”. “É uma forma de respeitar o princípio da separação de poderes”, afirma, atirando novamente críticas ao líder do PSD.
“O dr. Rui Rio proclama à segunda, quarta e sexta grandes princípios e depois, à terça, quinta, sábado e domingo, esquece-se dos princípios e lá vai na onda. O discurso dele do 25 de Abril, [em] que felizmente poucas pessoas repararam porque a sessão foi obviamente marcada pela excelência do discurso do Presidente da República, é da maior gravidade. Porque dá voz ao populismo contra a impunidade e a conclusão que tira é que é necessário dar uma machadada na independência das magistraturas, com aquela peregrina perseguição que faz ao Ministério Público e à necessidade de os políticos terem uma maioria no Conselho Superior do Ministério Público”, refere.
E, a propósito do caso que domina a Justiça, a Operação Marquês, Costa garante que “não é um elefante na sala”, mas sim um “caso concreto”. “Seria sempre difícil para qualquer partido lidar com a existência de um seu antigo líder, um anterior primeiro-ministro, que está a ser objecto de investigação, acusação e pronúncia sobre criminalidade. Acho que o PS fez o que é correcto. Porque qualquer coisa que o PS fizesse, das duas uma: ou seria uma pressão inadmissível sobre a Justiça ou seria uma desconsideração inaceitável do princípio da presunção da inocência”, nota.
Dito isto, o primeiro-ministro reafirma não ter “nada a acrescentar” sobre o caso de José Sócrates para além do que disse em Outubro de 2014. “Só voltarei a falar sobre esse assunto quando houver uma decisão transitada em julgado”, afirma, justificando que “uma das grandes conquistas da civilização foi acabar com os julgamentos populares e criar um Estado de Direito”. “Um Estado de Direito é garantir que há uma lei igual para todos, que ninguém está acima da lei e que todos são julgados de acordo com o processo próprio. E o processo próprio é o que decorre na Justiça, não é o que decorre na praça pública”, acrescenta.
Sobre os ataques de Sócrates à direcção do PS, António Costa garante não ser “verdade” a acusação de que os socialistas eliminaram o antigo primeiro-ministro da história. “Não é o PS que se vai substituir à Justiça, fazendo o julgamento que a Justiça há-de fazer”, afirma.
Ainda em matéria de Justiça, Costa acusa Rui Rio de “meter os princípios na gaveta” no processo de Tancos, que envolve o ex-ministro da Defesa Azeredo Lopes, ao fazer “julgamento de tabacaria” durante uma campanha eleitoral, porque “dava-lhe jeito para ganhar votos”. “Os princípios não se metem na gaveta, praticam-se mesmo quando são difíceis”, afirma.
PS parte para as autárquicas “para as ganhar”
À pergunta sobre quais os objectivos do PS nas eleições autárquicas que se aproximam, António Costa garante que estes “são muito claros”. “O PS parte para estas eleições para as ganhar. O que é ganhar as eleições? É ter mais câmaras, ter mais juntas de freguesia, manter a presidência da Associação Nacional de Municípios, manter a presidência da Associação Nacional de Freguesias”, diz.
Quanto a Lisboa, tudo indica “que os lisboetas apoiam maioritariamente a gestão" de Fernando Medina. Além disso, sobre o candidato do PSD à Câmara Municipal de Lisboa, Costa observa que o facto de Carlos Moedas “ter sido um bom comissário europeu e poder até ter sido um bom administrador da Gulbenkian não faz necessariamente dele um bom autarca”.
Sobre a hesitação na escolha do candidato do PS no Porto, o primeiro-ministro explica que os socialistas não têm “o mesmo calendário eleitoral do PSD” e critica a escolha do candidato dos sociais-democratas António Oliveira à Câmara de Gaia e a “mistura entre o futebol e a política” que, diz, Rui Rio outrora criticava.
“O PS tem um calendário próprio. Neste momento, [no] que estamos centrados é em discutir as políticas autárquicas e o contributo das autarquias para o esforço de recuperação do país. O facto de, no Porto, o PS dispor de tantos quadros disponíveis para poderem ser candidatos autárquicos é um sinal de força e de pujança do Partido Socialista no Porto. Uma candidatura que toda a gente sabe que é muito difícil, porque, em princípio, os presidentes de câmara em exercício tendem a ser reeleitos e todos os indicadores indicam uma vantagem muito confortável ao dr. Rui Moreira”, afirma.
Os nomes dos candidatos, admite, poderão ser adiantados antes do Congresso do PS, sendo que a escolha deverá ser feita “entre Maio e Junho”.
Relativamente ao futuro político, Costa mostra-se orgulhoso pela “excelente qualidade de quadros de gerações mais novas que o PS tem disponíveis” e diz estar concentrado nas eleições autárquicas e “nesta grande batalha contra a pandemia e pela recuperação do país”.
Morte de Ihor Homeniuk acelerou reforma do SEF
António Costa afasta a ideia de incapacidade do ministro da Administração Interna em explicar a reforma do SEF. “Estava muito claro, no programa do Governo, o que iria acontecer. Era uma separação total entre as funções administrativas e as funções policiais”, explica.
Sobre o facto de esta reforma se associar, por vezes, à morte do cidadão ucraniano Ihor Homeniuk no aeroporto de Lisboa, o primeiro-ministro nota que “esta reforma do SEF estava prevista no programa do Governo, que foi apresentado muito antes deste acontecimento”. Mas não nega que o acontecimento tenha tido impacto. “Se me perguntar se este acontecimento terá acelerado a execução desta parte do programa do Governo, não lhe posso dizer que não. Obviamente que acelerou, mas não foi por causa deste acontecimento que se escreveu o que se escreveu no programa do Governo e se está a fazer agora a reforma que se está a fazer”, sublinha.
Portugal é “um dos países que melhor executaram os fundos europeus”
Sobre o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) entregue em Bruxelas, António Costa diz ter “esperanças de que em Junho os primeiros planos” dos Estados-membros da União Europeia estejam aprovados e que, entre esses, esteja o português. Quanto à chegada de verbas, garante que Portugal já criou “condições para começarem a chegar ao terreno”.
A propósito das críticas dos empresários sobre a escassa canalização do PRR para o sector privado, o primeiro-ministro explica que “foram muito induzidos em erro pela nomenclatura do plano e pela leitura de alguns comentários”. “Onze mil milhões de euros de encomenda pública a empresas. E se há coisa importante para reanimar a economia é que as empresas tenham mesmo encomendas. Em segundo lugar, as empresas são indirectamente beneficiárias de grande parte dos investimentos que ali estão”, diz.
Quanto à fiscalização desses fundos, Costa garante que “a União Europeia em todos os quadros avaliou Portugal como um dos países que melhor executaram os fundos europeus”.
Sobre a ideia de que se deveria distribuir a verba directamente aos cidadãos, conforme defende o eurodeputado Pedro Marques, António Costa admite que “teria sido uma hipótese”. “Nós entendemos que este Plano de Recuperação tem que ter, obviamente, um impacto conjuntural para reanimar a economia e o emprego. Mas deve ter, precisamente porque é um plano extraordinário e irrepetível, sobretudo uma preocupação de intervenção estrutural”, explica.