Príncipe herdeiro saudita quer “relação boa e especial com o Irão”

Declarações de Mohammed bin Salman seguem-se a notícias sobre conversações secretas entre representes sauditas e iranianos em Bagdad, no contexto das negociações para relançar o pacto nuclear com Teerão.

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Mohammed bin Salman, durante a entrevista, em Riade Reuters

Há sinais cada vez mais claros de uma possível reaproximação entre a Arábia Saudita e o Irão, de laços cortados desde 2016 e envolvidos desde muito antes numa competição feroz pelo domínio regional. Numa significativa mudança de tom, o príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman, diz esperar “construir uma relação boa e positiva com o Irão que beneficie todos”.

“Não queremos que o Irão esteja numa situação difícil. Pelo contrário, queremos que cresça… e que estimule a região e o mundo na direcção da prosperidade”, afirmou Mohammed bin Salman (MBS) durante uma entrevista televisiva com o grupo saudita Middle East Broadcasting Center.

A conversa de 90 minutos é divulgada uma semana depois de responsáveis iraquianos terem confirmado uma primeira ronda de conversações entre Riade e Teerão realizada em Bagdad e inicialmente noticiadas pelo jornal Financial Times.

MBS não falou da reunião iraquiana – que os sauditas desmentiram oficialmente e que os iranianos não quiseram comentar – mas afirmou que a monarquia saudita está a trabalhar com aliados regionais e globais para encontrar soluções para o “comportamento negativo” de Teerão, mencionando o programa nuclear e o apoio a grupos armados em vários países do Médio Oriente.

“O Irão é um país vizinho e tudo o que desejamos é uma relação boa e especial com o Irão”, reafirmou o príncipe, líder de facto da Arábia Saudita. Para já, as conversações no Iraque ter-se-ão centrado na guerra no Iémen, onde Riade se lançou em 2015 à frente de uma coligação de países árabes com o objectivo de bloquear os avanços dos rebeldes houthis (próximos do Irão) e travar assim o avanço da influência iraniana.

Uma das primeiras decisões de política externa do novo Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, foi precisamente retirar o seu apoio à intervenção saudita no Iémen.

A entrada dos sauditas no conflito coincidiu com a última fase das negociações para o acordo internacional sobre o programa nuclear do Irão, assinado menos de três meses depois entre os iranianos e os EUA, a Rússia, a China, a França, o Reino Unido e a Alemanha. Um ano depois chegava a gota de água, com Riade a cortar laços com Teerão depois da invasão da sua embaixada na capital iraniana, em protestos por causa da execução, na Arábia Saudita, de um líder religioso xiita.

Esta reaproximação acontece quando MBS se vê forçado a redefinir aspectos da sua governação face à Administração Biden. Por um lado, Washington quer relançar o acordo nuclear, que Donald Trump abandonou unilateralmente e substituiu por duras sanções – os encontros com a presença de enviados norte-americanos (que ainda só discutem com os iranianos através da mediação europeia) têm-se repetido nas últimas semanas, e alcançado progressos, ainda que lentos.

Em simultâneo, Biden mudou a atitude da Casa Branca face à própria Arábia Saudita, permitindo até a divulgação de um relatório dos serviços secretos que acusa MBS de ter aprovado o assassínio do jornalista dissidente Jamal Khashoggi, que residia nos EUA e foi morto e desmembrado na embaixada saudita de Istambul.

“Estamos de acordo com a Administração Biden em mais de 90% quando se trata dos interesses sauditas e norte-americanos e estamos a trabalhar para reforçar esses interesses”, disse o príncipe na entrevista. “Os assuntos em que discordamos representam menos de 10% e estamos a trabalhar para encontrar soluções e entendimentos”, acrescentou.

Sublinhando que os EUA são “sem qualquer dúvida um parceiro estratégico”, MBS sublinhou que o seu país não aceitará pressões ou interferências nos assuntos internos. Antes da divulgação do relatório sobre Khashoggi, Biden telefonou ao rei Salman, numa conversa em que “afirmou a importância que os EUA dão aos direitos humanos e ao Estado de direito” – a escolha de interlocutor foi tão ou mais significativa do que o conteúdo, com Washington a sinalizar que pretende recuperar Salman como interlocutor, quando é MBS que fala com todos os dirigentes mundiais (e tinha quase linha aberta com a Administração Trump).

Desapontando alguns activistas de direitos humanos e dissidentes sauditas, ao relatório não se seguiram sanções dirigidas a MBS; em vez disso, 76 cidadãos sauditas viram bens seus congelados e foram proibidos de entrar nos EUA. O objectivo de Washington terá sido forçar um novo começo nas relações com o reino, ao mesmo tempo que tenta mudar a dinâmica de poder na região, sem pôr em causa uma aliança absolutamente basilar no Médio Oriente. As palavras de MBS sobre o Irão parecem indicar que o reino saudita está pelo menos atento.

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