Biblioteca pessoal de Herberto Helder vai ser integrada nas Bibliotecas de Lisboa

Acordo para a instalação dos oito mil livros do poeta de A Faca Não Corta o Fogo na Biblioteca Palácio Galveias foi assinado esta sexta-feira entre a autarquia e a família do autor, que morreu em 2015.

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A biblioteca pessoal de Herberto Helder (1930-2015), composta por cerca de oito mil volumes, vai ser incorporada na Rede de Bibliotecas Municipais de Lisboa, no âmbito de um acordo assinado esta sexta-feira, dia mundial do livro e dos direitos de autor, anunciou a autarquia lisboeta.

A biblioteca do poeta, que inclui traduções do próprio Herberto Helder, passará assim a estar disponível para consulta aos utentes da rede de Bibliotecas Municipais de Lisboa e ficará instalada na Biblioteca Palácio Galveias, numa sala que terá o nome daquele que é considerado, por muitos, o maior nome da poesia portuguesa da segunda metade do século XX.

Herberto Helder nasceu no Funchal, em 1930, e morreu em Cascais, aos 84 anos, em Março de 2015. Tinha dado a última entrevista quase meio século antes, em 1968, em 1994 recusara o Prémio Pessoa ("Não digam a ninguém e dêem o prémio a outro”, sugeriu então ao respectivo júri), e o último livro que editou em vida foi A Morte sem Mestre, em 2014

Frequentou na Universidade de Coimbra a licenciatura de Direito, que trocou por Filologia Românica, curso que também abandonou ao fim de três anos. Colaborou em diversas revistas e foi director literário da editorial Estampa no final dos anos 60.

Em 1971, partiu para África, onde realizou uma série de reportagens para a revista Notícias. Já somava então perto de década e meia de actividade literária, desde a publicação dos primeiros poemas em 1953 e 1954, passando pelo seu opúsculo de estreia, com o longo poema O Amor em Visita (1958), até aos livros com que marcou para sempre a poesia e a prosa portuguesas ao longo dos anos 60: A Colher na Boca (1961), Os Passos em Volta (1963), Húmus e Retrato em Movimento (1967), aos quais se somam os poemas que mudou para português em O Bebedor Nocturno (1968) e a primeira recolha da sua poesia: Ofício Cantante 1953-1963.

Entre os seus livros posteriores contam-se títulos como Poemacto, A Cabeça Entre as Mãos, As Magias, Última Ciência, A Faca Não Corta o Fogo, Servidões ou o já póstumo Poemas Canhotos.

Traduziu poemas de autores como Antonin Artaud, Edgar Allan Poe, Herman Hesse, Henri Michaux, Malcolm Lowry, Marina Tsvetaieva, Stéphane Mallarmé, Zbigniew Herbert, assim como dos índios Caxinauás, do Amazonas, e dos povos Maias, Quíchuas e Astecas.

Organizou uma antologia das “vozes comunicantes da poesia moderna portuguesa”, Edoi Lelia Doura, reunindo, numa escolha muito pessoal, autores como Gomes Leal, Ângelo de Lima, Fernando Pessoa, António José Forte, Luiza Neto Jorge ou António Gancho, sem esquecer Vitorino Nemésio, Natália Correia, Mário Cesariny, António Maria Lisboa ou Ernesto Sampaio.

Em 2016, surgiu Letra Aberta, livro de inéditos recolhidos nos cadernos do escritor. Neles, elogia a “beleza sem gramática” e o “ferocíssimo esplendor” do poema.

Em Maio do ano passado, a Porto Editora reeditou Apresentação do Rosto, um “auto-retrato romanceado” publicado em 1968 e que esteve fora das livrarias durante 52 anos. Publicada pela Ulisseia, a edição original foi rapidamente apreendida pela PIDE, a polícia política da ditadura, e a obra não voltou a ser editada. O despacho de proibição, datado de 22 de Julho de 1968, descreve-a como “autobiografia do autor, que é de índole esquerdista, escrita em linguagem surreal e hermética, que como obra literária não mereceria qualquer reparo, se não apresentasse passagens de grande obscenidade”.

Apresentação do Rosto, no entanto, nunca deixou de ser lido e discutido, tendo dado origem a múltiplos estudos, como o que o poeta Manuel de Freitas assinou em Uma Espécie de Crime –​ Apresentação do Rosto de Herberto Helder, publicado pela &etc em 2001.