Ferro Rodrigues: “Estou perfeitamente de acordo” com Marcelo sobre enriquecimento ilícito
Ferro Rodrigues diz que as leis contra a “vigarice” podem ser melhoradas. Considera “impróprio” falar do processo Marquês e diz que só depois do trânsito em julgado se verão os “estragos” para os sistemas político e judicial.
Já foi secretário-geral do PS. Também entende, como Fernando Medina, que o comportamento de José Sócrates como primeiro-ministro corrói o funcionamento da vida democrática?
O dr. Fernando Medina é um comentador político. Eu não sou comentador e sou presidente da Assembleia da República. Considero que seria impróprio e mesmo censurável que o presidente da Assembleia da República se manifestasse, seja a que nível fosse, sobre um processo que está a decorrer, teve uma decisão que vai ser contraditada por vários recursos. Não me vou pronunciar sobre tal. Mesmo em termos políticos ou morais só me pronunciarei quando ele tiver transitado em julgado.
Subscreve o que diz o primeiro-ministro: “À política o que é da política à Justiça o que é da Justiça”? Há duas linhas no PS. Há esta e outra que pede uma autocrítica.
O primeiro-ministro teve uma atitude de defesa do PS como lhe competia. Foi o que fez há muitos anos e reiterou agora.
Este é um tema que pesa ao PS, mas também a todo o sistema político e à democracia.
Vamos ver como vai acabar. Depois de acabar, cá estaremos todos para ver quais foram os estragos e as consequências para todo o sistema político e para o sistema judicial.
O Presidente da República disse que era a altura de se avançar com legislação sobre enriquecimento ilícito. Usou mesmo a expressão “é desta” e “todos querem”.
A situação quanto a essa matéria mudou muito. Não apenas pelo que disse o Presidente, mas muito antes, quando foram aprovadas aqui na Assembleia da República, por influência fundamental do PS, novas regras para as declarações de património e rendimento de cargos públicos. Estamos a falar não apenas de deputados e membros do Governo, mas também de autarcas, de juízes, de procuradores. É um crime já previsto que existam falsas declarações ou omissão de declarações sobre aumentos de património. Há muitas maneiras de fazer exigências para que os aumentos de património ou rendimento tenham de ser explicados. E, no caso de haver dúvidas, existirão acções judiciais contra este ou aquele titular de cargo.
Mas acha que a lei que existe chega?
Pode ser melhorada. Foi um grande salto que foi dado. E aqui homenageio o deputado Jorge Lacão, que teve um papel muito importante. E vi com muito interesse um artigo que ele escreveu no PÚBLICO, em que diz que a proposta da Associação Sindical de Juízes é uma proposta perfeitamente complementar e que se encaixa nesta lógica, que não põe em causa a Constituição e que pode melhorar uma verdadeira acção contra, eu diria, a vigarice, que é uma questão que não é apenas exclusivo deste ou daquele cargo político.
É possível ainda nesta legislatura melhorar a lei para tipificar o enriquecimento injustificado?
Com a actual lei já é obrigatório que os titulares de cargos que referi façam as declarações de rendimento e património. Acontece que há uma Entidade de Transparência que ainda não foi instalada — parece que vai ser instalada em Coimbra — e que depende do Tribunal Constitucional. Os deputados dos vários partidos insistiram muito para que essa entidade fosse rapidamente instalada. É a entidade que terá de lidar com essas declarações de rendimento e património e não faz sentido que tenha sido criada e não tenha sido instalada.
O relatório do Greco, que é o grupo internacional que estuda a evolução da corrupção nos diferentes países, o relatório do Conselho da Europa, considera positiva a evolução de Portugal no que diz respeito ao cumprimento das recomendações sobre o tema da prevenção da corrupção. Este segundo relatório intercalar concluiu mesmo que o nível de cumprimento das recomendações já não é considerado “globalmente insatisfatório”, como aconteceu no relatório anterior.
Portanto, deixou de ser aplicada a regra relativa a Estados considerados em situação de não conformidade e que implicava um acompanhamento mais pormenorizado por parte do Greco. Isso quer dizer que, de certa maneira, há quem, sem querer, faça o jogo de todos os populismos, sobretudo os dos nacionalismos de extrema-direita, ao estar a gritar “corrupção, corrupção, corrupção”, quando os organismos internacionais que fiscalizam o Estado e o funcionamento da sociedade portuguesa não provam nada disso.
Mas temos o Presidente da República a dizer que é urgente legislar e há condições.
Mas com o que o senhor Presidente da República diz sobre essa matéria eu estou perfeitamente de acordo. Há condições para melhorar e fazer leis mais activas e mais capazes de acabar com todas as vigarices em todos os planos da vida pública e que isso pode ser feito sem pôr em causa os princípios constitucionais da presunção da inocência e da inversão do ónus da prova.
Há condições para aprovar uma proposta como a da ASJP?
Não sei se será a proposta exactamente. Quando se faz a proposta, aquilo que se pretende é que seja discutida e que seja incorporada tanto quanto é possível na decisão maioritária do Parlamento. Penso que é um bom contributo.
É presidente da Assembleia até ao final do mandato, isso é certo. E depois?
Bem, isso é a saúde que comanda. Espero ser. Como sabem, tive alguns problemas, espero que tenham sido definitivamente resolvidos, mas nunca se sabe. Dentro desta linha de realismo, com menos optimismo do que o senhor primeiro-ministro ou o senhor Presidente da República a todos os níveis... Eu sou tão pouco optimista que, embora venha de gravata verde, ainda não estou seguro de que o Sporting vá ser campeão (risos). Depois tenciono dedicar-me aos meus netos, à minha família. Se a legislatura acabar em tempo normal...
Ah, tem dúvidas...
Há sempre dúvidas em democracia. Se acabar em tempo normal, terei 74 anos. É uma boa idade para passar à verdadeira reforma. Reformei-me da Caixa Geral de Aposentações há muitos anos, mas nunca recebi um tostão, nem das reformas dos cargos políticos. Espero que tudo isso ainda exista na altura em que me reformar daqui a dois anos. Conto ter uma vida mais pacata. Não deixarei de ter uma intervenção quando julgar indispensável. E, sobretudo, se houver algum perigo para o regime democrático, podem sempre contar comigo na primeira fila.