Sabia que Portugal é rico em tubarões?
Portugal é um país rico em vida marinha, o mais rico da União Europeia, e no nosso mar temos 117 espécies destes peixes cartilagíneos, o que representa quase 90% de todas as espécies destes animais conhecidas em mares europeus. No entanto, Portugal é também o 3.º país europeu que mais tubarões e raias pesca e o 12.º país a nível mundial.
Há mais de 400 milhões de anos, o Planeta era muito diferente do que hoje conhecemos. Era um planeta ainda sem árvores, mamíferos, aves ou répteis, com os mares dominados por invertebrados e onde existiam peixes primitivos com uma armadura. No final desse período, o Ordoviciano, formaram-se vastos glaciares, o nível do mar baixou dezenas de metros e houve uma grande extinção global.
Ora foi neste mundo, para nós hoje estranho, que os primeiros peixes com esqueleto feito de cartilagem, os chamados peixes cartilagíneos, apareceram. É deste grupo que surgiram os conhecidos tubarões e raias. Estes animais são não só sobreviventes da história da evolução biológica do Planeta, mas também espécies críticas para um oceano saudável enquanto predadores de topo, reguladores da abundância, distribuição e diversidade das espécies marinhas (à semelhança do papel que desempenham os leões, tigres ou leopardos). Muitos são grandes viajantes oceânicos, outros vivem no oceano profundo, outros ainda, como as raias, vivem nas zonas costeiras e estuários alimentando-se de muitos invertebrados marinhos.
Mas estes magníficos seres estão hoje ameaçados de extinção.
Desta vez, a ameaça não vem de um grande cometa em risco de colidir com o Planeta, nem de uma intensificação a grande escala da atividade vulcânica capaz de alterar o clima global.
A ameaça é sim a sobrepesca e o uso desregrado do oceano. E os números são avassaladores. Desde os anos 80 que as capturas globais de tubarões e raias triplicaram, com estimativas em média de 100 milhões de animais capturados por ano. À escala global, 36% das espécies de tubarões e raias encontram-se hoje em perigo e 91% das pescarias de tubarões e raias são insustentáveis. Desde 1970, a abundância das populações de 31 espécies de tubarões e raias que vivem no oceano aberto decresceu 71%, ou seja, o equivalente a sete em cada dez animais foram pescados. Nalguns casos, já só restam 10% dos efetivos populacionais, o esforço de pesca duplicou e as capturas de tubarões pelas embarcações que pescam espadarte e atum com linhas e anzóis (palangre) triplicaram.
É isto que infelizmente nos mostra o mais recente relatório Tubarões e Raias, Guardiões do Oceano em Crise, lançado pela ANP
WWF em Portugal, com o apoio da Fundação Oceano Azul.
Portugal é um país rico em vida marinha, o mais rico da União Europeia, e no nosso mar temos 117 espécies destes peixes cartilagíneos, o que representa quase 90% de todas as espécies destes animais conhecidas em mares europeus. No entanto, Portugal é também o 3.º país europeu que mais tubarões e raias pesca e o 12.º país a nível mundial. Mais grave ainda, 43% destas espécies em Portugal estão ameaçadas (25 espécies de tubarões e cinco de raias), 79% da captura do palangre pelágico são tubarões e mais de 80% desses animais são imaturos, ou seja, não chegaram sequer a ter oportunidade de se reproduzir.
Portugal aparece assim como um destacado interveniente na pesca de tubarões e raias e também no seu comércio. Este é um assunto fora da atenção dos poderes públicos e dos consumidores, podendo parecer surpreendente a muitos leitores não só a abundância de espécies de tubarões e raias que existe no nosso país, mas também as elevadas capturas e comércio. E, em muitos casos, será mesmo um assunto invisível, pois nem há perceção que se está a utilizar e a consumir, na alimentação e na cosmética, produtos provenientes de tubarões e raias.
É, pois, urgente intervir e devolver ao mar estes fantásticos animais, dispensáveis para os humanos, mas essenciais para o oceano. É necessário implementar medidas concretas como decretar o fim dos estralhos (fios) de aço nas pescarias pelágicas para diminuir a captura de tubarões, proibir o comércio das barbatanas de tubarão, evitar consumir tubarões e raias, desenvolver melhores métodos de pesca que evitem as capturas acessórias, e estabelecer áreas marinhas protegidas e santuários que protejam e valorizem o nosso património natural.
Só assim poderemos assegurar de forma efetiva que estes animais possam continuar a contribuir, através do papel que têm desde há muito, para um oceano saudável e produtivo.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico