Maioria da população mundial vive em países onde se viola a liberdade religiosa
As conclusões do relatório da fundação Ajuda à Igreja que Sofre mostram uma deterioração da liberdade de crença em todo o mundo nos últimos anos.
Quase dois terços da população mundial vivem em países em que a liberdade religiosa não é respeitada, conclui o relatório Liberdade Religiosa no Mundo elaborado pela fundação Ajuda à Igreja que Sofre (AIS) e conhecido esta terça-feira. Os autores notam um “crescimento significativo da perseguição e opressão motivadas religiosamente” nos últimos dois anos.
O foco de principal preocupação está no continente africano onde foram detectados mais de dez países em que há sinais de “perseguição extrema”. Um dos casos apontados é a onda de ataques violentos em Cabo Delgado, no Norte de Moçambique, perpetrados por um grupo ligado aos extremistas islamistas do Daesh.
“É indispensável que haja uma intervenção corajosa por parte do Estado moçambicano para não gerar situações de vazio de autoridade”, disse o ex-ministro e actual administrador da Fundação Calouste Gulbenkian, Guilherme d’Oliveira Martins, que apresentou o relatório.
Também são referidos os casos de raptos em massa em escolas na Nigéria por grupos armados fundamentalistas, que se opõem à educação das raparigas. O quadro desenhado pelos investigadores mostra na África Subsariana um território fértil para o recrutamento por parte de grupos extremistas.
“Por causa de gerações de pobreza, corrupção, violência intercomunitária entre pastores e agricultores por causa de direitos sobre a terra (exacerbados pelas consequências das alterações climáticas), e estruturas estatais fracas, esta área tornou-se um campo fértil para jovens marginalizados e frustrados”, escreve no relatório o investigador Mark von Riedemann. “Por seu turno, isto permitiu uma oportunidade de recrutamento para extremistas que os manipulam com promessas de riqueza, poder e afastamento das autoridades corruptas”, acrescenta.
A perseguição à minoria muçulmana uigur em Xinjiang, na China Ocidental, é um dos casos mais graves descritos pelo relatório, que já foi descrito por instituições internacionais como um “genocídio”. “A vigilância maciça, incluindo tecnologia melhorada com inteligência artificial, um sistema de créditos sociais que recompensa e pune comportamentos individuais, e uma opressão brutal contra grupos religiosos e étnicos, reforçam a supremacia do Estado”, dizem os autores do relatório.
A AIS refere-se igualmente à perseguição movida contra os rohingya, uma minoria muçulmana na Birmânia, que os obrigou a um êxodo em massa nos últimos anos. “Sistematicamente empurrados para o vizinho Bangladesh, cerca de um milhão de rohingyas estão abrigados em campos e estão sujeitados a doenças, miséria, abusos sexuais e assassínios”, lê-se no documento.
O tratamento da população não hindu na Índia é visto como um obstáculo à liberdade religiosa no segundo país mais populoso do mundo. Os autores do relatório apontam o dedo à “visão crescentemente nacionalista” do Partido Bharatiya Janata (BJP), do actual primeiro-ministro Narendra Modi, que tem o objectivo de conceber a Índia como “inerentemente hindu”.
No vizinho Paquistão, é sublinhada a opressão sobre os grupos “mais vulneráveis”, como as mulheres e as meninas, sujeitos a “conversões forçadas”.
O relatório tenta perceber quais são as principais condições que ajudam a explicar as violações à liberdade religiosa pelo mundo e encontraram três factores dominantes. Em 43 dos países em que essa perseguição foi verificada, isso deve-se à presença de um governo autoritário; em 26 foi detectada a presença de redes extremistas de islamitas, e em quatro as violações são produto de movimentos nacionalistas e étnicos.
Mas nem todos os casos de abusos foram encontrados em contextos autoritários. O relatório refere a destruição de duas igrejas em Santiago do Chile, em Outubro do ano passado, durante a onda de protestos antigovernamentais que abalou o país sul-americano. Ao todo, precisa o relatório, foram vandalizadas 59 igrejas em todo o país durante as manifestações.
Este tipo de acontecimento “põe em causa severamente um regime constitucional, de primado da lei e de respeito da diversidade de opções de consciência”, nota Oliveira Martins.