Quase metade das empresas não tem fé na “bazuca”
Num inquérito da CIP, 48% dos gestores consideram que o Plano de Recuperação e Resiliência não terá significado para as suas empresas.
Seja “bazuca”, seja “vitamina”, o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) entusiasma poucos sócios da maior confederação patronal de Portugal. De acordo com o inquérito mensal da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), lançado no dia 7 de Abril, 48% dos empresários inquiridos consideram que o PRR "não terá significado para a actividade da sua empresa”. Apenas 17% demonstra fé no plano e considera que pode ser significativo (12%) ou muito significativo (5%). O PRR português deverá ser entregue esta semana em Bruxelas, depois de meses de preparação e de um processo de consulta pública que antecedeu a aprovação em Conselho de Ministros na semana passada.
O inquérito da CIP abrange um universo de 150 mil empresas tendo o trabalho de campo, levado a cabo pelo Marketing Future Lab Cast do ISCTE, recolhido 618 respostas. A amostra não é representativa do universo empresarial português, estando sobre-representadas as grandes empresas, que constituem 4% da amostra, quando no país são cerca de 0,1%. Mesmo assim, como anota Pedro Esteves, do ISCTE, essa sobre-representação não contraria a importância das opiniões recolhidas “dado o impacto económico que [as grandes empresas] têm no tecido económico.
Óscar Gaspar, vice-presidente da CIP, acredita que as respostas não teriam sido muito diferentes caso o inquérito tivesse decorrido depois de se conhecer a versão final do PRR, que reforçou a componente de empréstimos destinada a ajudar empresas em crise.
“Tanto quanto nos é dado a perceber, não há grandes alterações”, argumenta o dirigente. “Parece haver um relevo maior em relação ao Banco Português de Fomento e, a ser assim, pode ser uma notícia positiva, mas o que importa é passar das intenções à realidade”, vinca.
Sobre a versão final do documento, que modificou alguns investimentos e libertou verbas para a criação de planos específicos para a cultura e para o mar, a CIP considera que as mudanças deveriam ter ido mais longe. “Ainda estamos a tempo de alterar a versão do PRR apresentada na sexta, ainda estamos a tempo de porventura o tornar mais eficiente, mas o importante é que estes instrumentos sejam rapidamente aprovados. Estamos em pandemia desde Março de 2020 e por muito que se fale da ‘bazuca’, vemos os EUA a avançar com apoios à economia e a Europa a marcar passo. É muito difícil de compreender que assim seja”, critica o mesmo responsável.
As expectativas dos empresários não são, por isso, as melhores. Entre os inquiridos, 42% antevê uma quebra de vendas no primeiro semestre, numa conjuntura considerada desfavorável. E 31% dos empresários pensam reduzir o investimento no corrente ano, com a agravante de a quebra de investimento rondar os 58%. É uma “degradação muito muito forte que pode pôr em causa a competitividade do país no médio prazo”, frisa o vice-presidente da CIP.
“Parece claro que a crise está longe do fim, é uma crise intensa e duradoura, e embora estejamos numa fase de desconfinamento, desconfinar não é recuperar”, alerta. “Estamos ainda muito longe de recuperar a actividade económica, houve um travão a fundo de muitos sectores, os impactos são significativos e a recuperação é lenta e incerta.”
O inquérito sugere que metade dos inquiridos reduziu a actividade desde o início da pandemia, e a quebra no negócio é em média de 50%. “É uma crise sem precedente nas últimas décadas”, insiste Óscar Gaspar.
“Também há aspectos positivos” no inquérito, contrapõe: 59% dos empresários entende que o ritmo de desconfinamento é adequado; ainda que houvesse 4% de empresas totalmente fechadas naqueles dias de Abril, já “há um regresso de actividade”. “Fevereiro e Março foram muito complicados, mas mesmo com este desconfinamento a conta-gotas há uma melhoria de indicador de encomendas em carteira”, salienta ainda.
Por outro lado, 40% dos empresários dizem estar a vender para novos clientes, e estes já representam 16% do total de vendas. O que, na opinião do mesmo dirigente, significa que “há uma nova estratégia comercial para fazer face” aos obstáculos criados pela pandemia.
O “mais positivo” são os dados relativos ao mercado de trabalho: 75% dos inquiridos querem manter ou reforçar o quadro de pessoal, o que, “denota um esforço notável”, elogia Óscar Gaspar. "Mesmo o Governo, quando publicou o PEC, reconheceu, no aumento muito ténue do desemprego, de 6,5% para 6,8%, o papel das empresas, que fizeram tudo para pelo menos manterem o número de colaboradores”.
“Não houve uma delapidação da capacidade produtiva”, mas como a retoma ainda não chegou, “não é altura para retirar apoios”, conclui.