Num mundo em chamas, o PS pode continuar a insistir em mais aeroportos?
Há que perguntar o que é mais perigoso: o negacionismo climático da extrema-direita ou o negacionismo prático do centrão que diz que há alterações climáticas mas age como se as mesmas não existissem?
Apesar de toda a retórica sobre acção climática, o Partido Socialista é a força política que pretendeu avançar com a exploração de combustíveis fósseis e com a expansão da base de emissões de gases com efeito de estufa em Portugal. Não é pois de estranhar que seja à sua porta e no seu dia de aniversário a próxima manifestação contra novos aeroportos em Lisboa, no dia 19 de Abril. Há que perguntar o que é mais perigoso: o negacionismo climático da extrema-direita ou o negacionismo prático do centrão que diz que há alterações climáticas mas age como se as mesmas não existissem?
Esta semana, o Parlamento francês aprovou a proibição de voos domésticos para viagens que tenham alternativa de comboio com duração de até duas horas e meia. Apesar de claramente insuficiente, esta medida mostra um caminho que, com pelo menos duas décadas de atraso, acelera agora e à boleia da redução drástica de voos por causa da pandemia. Em Portugal e pela mão do governo PS, pelo contrário, a discussão foca-se em como ultrapassar um veto legal por parte de autarquias afectadas e da Autoridade da Aviação Civil. A resposta encontrada parece ser mudar a lei para reverter a decisão, ao mesmo tempo que se lança um processo de avaliação ambiental estratégica.
Mas ainda se fala da brincadeira das avaliações de impacto ambiental? Depois da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) ter dado parecer positivo a esta mesma localização de aeroporto, que vai ficar debaixo de água em poucos anos (até a Polícia Judiciária lá foi bater à porta)? Depois de a APA ter dispensado de avaliação de impacto ambiental um furo de petróleo a mais de 2 mil metros de profundidade no mar de Aljezur? Enquanto a APA for comandada por Nuno Lacasta, o “Senhor Sim” que mantém a agência a trabalhar como se fosse um carimbo de aprovação para tudo, acreditar em avaliações ambientais é como acreditar no abominável homem das neves. É uma entidade estruturalmente inútil.
Agora, com a degradação da situação da TAP e das empresas à volta da mesma, como a Groundforce, Pedro Nuno Santos tentou reposicionar-se como a “esquerda” do PS, mas substituiu o apoio que quem trabalhava no sector necessita por um espalhafatoso combate público com mais um patrão, do qual resultou um bom vídeo e basta. Sobre o desígnio da ferrovia, passado um ano e meio da tomada de posse do Governo, o único grande anúncio que se pôde constatar é que o comboio Lisboa-Madrid foi e continuará desactivado.
António Costa, na sua bonomia, ilude toda a gente na sua tentativa de não desiludir ninguém, e diz que tudo vai correr bem: novo boom do turismo, redução de emissões, crescimento económico e, numa altura em que a aviação em si mesma não justifica sequer o aeroporto de Lisboa com a sua dimensão actual, a construção imperativa de um novo aeroporto. Depois das concessões de petróleo e gás, a questão do aeroporto diz-nos muito sobre o PS.
Se esta fosse uma questão legal, o chumbo da ANAC e os vetos das autarquias teriam posto fim ao processo. O respeito pelos contratos com a Vinci implica o desrespeito por outros compromissos legais. No entanto, a lei é só um acessório para a manutenção do status quo e dos negócios de sempre (com o colapso climático a eles associado).
Se esta fosse uma questão técnica, não havia qualquer possibilidade de construir uma nova infra-estrutura cujo objectivo estrito implica um aumento de emissões de gases com efeito de estufa.
Mas esta é uma questão política, e de poder, e o PS escolheu, como sempre, que o seu lugar é o de mordomo dos negócios nacionais e internacionais, jogando o seu poder no apoio à insanidade capitalista.
Tudo estaria dentro da “normalidade” se não vivêssemos nos primeiros capítulos da maior crise pela qual a Humanidade já viveu, a crise climática. Na semana passada, a concentração de dióxido de carbono na atmosfera bateu novo recorde, de 417 partes por milhão, 50% acima da concentração antes da revolução industrial. 2020 foi o ano mais quente de sempre. A nossa casa está a arder e cada projecto que aumenta as emissões é um inimigo, não da economia, dos negócios, do ambiente ou até do emprego, mas da Humanidade.
No final, o PS não tem um plano para a TAP e para quem trabalha à volta da aviação, não tem qualquer iniciativa palpável sobre ferrovia – nenhum plano para o fim do mês. Sobre alterações climáticas tem golpes retóricos como o “Roteiro para a Descarbonização”, que são frequentemente traídos pela honestidade de Matos Fernandes ou do ex-enfant terrible Galamba, que revelam que aquilo é só uma boa “oportunidade de negócios”. Nenhum plano para o fim do mundo.
A nossa casa está a arder, e é por isso mesmo que no aniversário do PS, dia 19 de Abril, às 18h30, haverá uma manifestação do Marquês até ao Rato. Relembrando o ex-secretário de Estado Alberto Souto de Miranda, que sugeria que, em relação a um aeroporto do Montijo, os pássaros não eram estúpidos e era “provável que se adaptem”, será que o PS também não é estúpido e é provável que se adapte?