Taliban encaram retirada das tropas norte-americanas como uma vitória
Grupo jihadista acredita que a saída dos EUA do Afeganistão pode significar um enfraquecimento do Governo de Cabul e o reforço das suas “exigências” para um acordo de paz.
O anúncio das datas para a retirada das tropas norte-americanas do Afeganistão desencadeou uma reacção de satisfação entre os taliban: “Nós ganhámos a guerra e a América perdeu”, disse à BBC Haji Hekmat, líder do grupo fundamentalista islâmico da região de Balkh. Agora, consideram ser um governo em espera para subir ao poder.
O prazo do acordo entre os EUA e os taliban para a retirada o Exército norte-americano do território afegão foi ampliado pelo Presidente Joe Biden até ao dia 11 de Setembro, mas não foi, ainda assim, totalmente bem recebido pelo grupo extremista, que ameaçou retaliar. Hekmat esclareceu que os taliban estão “prontos para qualquer coisa”, seja “para a paz ou para a jihad [guerra santa]”.
Mas a retirada norte-americana levanta outra questão: as forças governamentais e as forças armadas podem não conseguir sobreviver, visão partilhada por Cabul e por vários decisores políticos, responsáveis de segurança e diplomatas internacionais, refere o New York Times.
Os taliban estiveram à frente de vastas áreas do país entre 1996 e 2001 – restringindo muitas liberdades civis e direitos das mulheres e das minorias –, até à chegada das tropas dos EUA, na sequência do ataque de 11 de Setembro. E anseiam voltar ao poder: não se consideram um grupo rebelde, mas, antes, um governo à espera de poder assumir funções.
A cooperação entre os líderes taliban e ao Governo afegão foi uma das condições exigidas pelos EUA para a retirada das suas tropas, mas ainda é muito cedo para se perceber se poderá vir a ser uma realidade, face à rivalidade entre os dois campos e aos constantes ataques dos jihadistas à polícia e às forças de segurança.
As negociações de paz entre as duas facções foram retomadas no início do ano passado e, apesar de surgirem dúvidas em torno da sua eficácia, Haji Hekmat admitiu à estação britânica que os taliban vão aceitar a decisão negociada pelos seus líderes, independentemente de aceitarem partilhar o poder ou não.
Governar pela sharia
“Queremos um Governo islâmico guiado pela sharia [lei islâmica]. Continuaremos a nossa jihad até aceitarem as nossas exigências”, justificou Hekmat. Essa luta passa também por buscas e ataques a civis e pessoas ligadas ao Governo afegão, e por controlar as áreas rurais, cujas crenças causam menos atrito, e onde subsiste um sistema híbrido de poder.
Por exemplo, o Governo de Cabul paga os salários dos professores, mas, nas áreas controladas pelos taliban, são eles quem gerem o ensino, entre as matérias leccionadas e o cumprimento da lei islâmica e do uso do hijab. Numa clínica de saúde, na mesma zona, várias mulheres estão empregadas, mas são supervisionadas por um homem, lê-se na BBC. Ambas as actividades são proibidas pelo fundamentalismo islâmico.
Este parece ser o maior esforço por parte dos líderes, o de tentar provar que são pelos direitos das mulheres – uns dos mais restringidos pelas suas crenças. A estação britânica dá conta do seu empenho em serem vistos de forma mais positiva, porque, completa New York Times, precisam do reconhecimento e auxílio internacional para efectivamente governar.
Não obstante, Hekmat esclarece que “os taliban de antigamente e os taliban de agora são os mesmos”. Especialmente nas cidades, onde o fundamentalismo islâmico chega com menos força, há receios de que as conquistas dos últimos 20 em matérias de direitos e liberdades se desmoronem.
Visita inesperada de Blinken
Horas depois de Biden ter anunciado a retirada dos militares do país, o secretário de Estado dos EUA, Antony Bliken, fez uma viagem inesperada a Cabul, para “demonstrar (…) o contínuo compromisso dos EUA para com a República Islâmica do Afeganistão”, disse Blinken no encontro com o Presidente afegão, Ashraf Ghani.
Foi discutida a “importância de preservar as conquistas dos últimos 20 anos, especialmente na construção de uma sociedade civil e na protecção dos direitos das mulheres”, mas também a cooperação no antiterrorismo e no esforço conjunto contra o ressurgimento do Al Qaeda, resumiu o porta-voz do Departamento do Estado, Ned Price.