Inspector que dirigiu a investigação Football Leaks tornou-se arguido

Relações de Rogério Bravo com os homens do fundo de investimento Doyen vão voltar a ser investigadas. Polícia prometeu interceder a favor das alegadas vítimas de Rui Pinto: “Vou falar com uma pessoa mesmo muito próxima da senhora procuradora-geral e pedir deferimento.”

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Rui Gaudencio

O inspector-chefe da Polícia Judiciária Rogério Bravo, que dirigiu a investigação Football Leaks, cujo principal arguido é o pirata informático Rui Pinto, tornou-se arguido por causa da sua actuação neste processo.

Foi o próprio Rogério Bravo que o revelou nesta quarta-feira em tribunal. Na audiência do Football Leaks, em que está a ser ouvido na qualidade de testemunha, o inspector-chefe explicou que não iria responder a perguntas que o pudessem incriminar, uma vez que foi constituído arguido num inquérito destinado a averiguar se extravasou os seus limites de actuação, nomeadamente revelando demasiada proximidade com os representantes da Doyen. Os responsáveis por este fundo de investimento queixaram-se às autoridades de Rui Pinto os ter tentado chantagear, exigindo-lhes entre meio milhão e um milhão de euros para parar de publicar online documentos confidenciais sobre contratação de jogadores e outros negócios do universo futebolístico que os envolviam.

Na sequência de uma queixa da ex-eurodeputada socialista Ana Gomes, o Ministério Público tinha aberto um inquérito ao relacionamento entre Rogério Bravo e a Doyen, que acabou por encerrar em Novembro passado por ter concluído que não se tinha verificado qualquer abuso de poder por parte deste polícia, que integra uma unidade de combate ao cibercrime na Judiciária.

Porém, novos dados revelados em tribunal no final do ano passado pelo segundo arguido do processo, o advogado Aníbal Pinto, que intermediou contactos entre Rui Pinto e os homens do fundo de investimento, levaram o Ministério Público a reabrir este inquérito em que Rogério Bravo é visado pela eventual prática não só de abuso de poder como também de possível corrupção, falsidade de depoimento e denegação de justiça. E levaram ainda a Judiciária a suspender a promoção por mérito que estava a preparar para o inspector-chefe e a abrir-lhe uma averiguação disciplinar, que ficou suspensa por causa do inquérito judicial. 

Foi lida na sala de audiências uma mensagem de correio electrónico datada de 2015 em que este inspector-chefe aconselhava a Doyen a contactar determinado jornalista para fazer passar a sua versão dos factos no noticiário que estava a ser produzido com base no site Football Leaks, que tinha exposto vários negócios desconhecidos firmados no mundo do futebol com a intervenção deste fundo de investimento. 

Noutro e-mail trocado entre dois homens-fortes da Doyen sobre os planos que tinham para pressionarem o advogado de Rui Pinto a revelar a identidade do hacker, que na altura ainda era desconhecida, tanto Rogério Bravo como um colega seu são colocados em “cc”. E há ainda um outro e-mail em que o inspector-chefe trata por tu um dos homens da Doyen. 

Nesta quarta-feira, em tribunal, o inspector alegou que este é um defeito que tem: “Geralmente trato as pessoas por tu.”

PJ indica nomes de jornalistas a empresas?

E revelou ainda algumas práticas desconhecidas da generalidade das pessoas, profissionais da comunicação social incluídos: que era habitual a Polícia Judiciária indicar a grandes empresas portuguesas o nome de jornalistas para que noticiassem este ou aquele facto relacionado com os interesses destas firmas. A questão veio à baila na sequência de um advogado que trabalhava para a Doyen ter contado em tribunal, em Dezembro passado, que a Polícia Judiciária lhe indicou em 2015 o nome de um jornalista que poderia ajudar o fundo de investimento a veicular uma versão alternativa dos factos àquela que estava a ser divulgada pelo site Football Leaks

Questionado na manhã desta quarta-feira sobre se este tipo de actuação era meramente pontual, Rogério Bravo garantiu que não: “Faço-o muitas vezes para grandes empresas do país”, depois de contactar previamente os jornalistas em causa. E acrescentou que, no caso da Doyen, o profissional de comunicação social que indicou, Augusto Freitas de Sousa, acabou por nunca publicar nada. A direcção da Polícia Judiciária não encara à partida este tipo de prática como uma violação do dever de imparcialidade. 

O inspector-chefe também admitiu ter pedido ajuda à Doyen para descobrir, junto das autoridades russas, a origem das mensagens de correio electrónico de Rui Pinto, que em 2015 assinava os e-mails que enviava ao fundo de investimento sob o pseudónimo de Artem Lobuzov. 

Mas há mais mensagens de correio electrónico aparentemente comprometedoras. Numa delas, Rogério Bravo ajuda a Doyen sobre a melhor forma de pedir à Procuradoria-Geral da República uma investigação célere à devassa informática de que está a ser alvo nessa altura, tendo mesmo escrito um requerimento nesse sentido para o fundo de investimento utilizar. Noutra, informa o advogado da Doyen de que vai usar as suas influências para que este pedido feito pelo fundo de investimento seja despachado favoravelmente: “Vou falar com uma pessoa mesmo muito próxima da senhora procuradora-geral e pedir deferimento disto”. Questionado sobre os emails, o inspector-chefe remeteu-se ao silêncio, alegando a sua condição de arguido. 

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