Bernie Madoff, autor da maior fraude financeira em Wall Street, morreu na prisão

O gestor de fortunas, condenado a uma pena de prisão de 150 anos, morreu nesta quarta-feira. Em 2009, confessou a autoria de um esquema fraudulento que prejudicou dezenas de milhares de investidores, em 136 países, durante quatro décadas.

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Reuters/Lucas Jackson

O investidor e gestor de fortunas norte-americano Bernard Madoff morreu nesta quarta-feira na prisão onde cumpria uma pena de 150 anos pela montagem do maior esquema em pirâmide (Ponzi) da história dos Estados Unidos. Tinha 82 anos. Segundo a agência noticiosa Associated Press, terá morrido de causas naturais.

Madoff foi o autor confesso do maior esquema em pirâmide (ou Ponzi) da história financeira norte-americana, através do qual lesou dezenas de milhares de investidores, em 136 países durante quatro décadas e que, quando colapsou, gerou um “buraco” de 65 mil milhões de dólares (cerca de 54,5 mil milhões de euros ao câmbio actual). Desde então, os administradores de insolvência recuperaram mais de 13 mil milhões de dólares do total de 17,5 mil milhões que os seus clientes tinham investido no fundo de Madoff.

O esquema acabou denunciado – no auge da crise financeira de 2008 – pelos seus filhos e Madoff foi preso em Dezembro desse ano, tendo assumido a responsabilidade pela fraude em 2009, atribuindo o colapso aos efeitos das perdas bolsistas que se assistiram depois da queda do Lehman Brothers. Confessou ter praticado 11 crimes federais e foi condenado, três meses depois da detenção, a uma pena máxima de 150 anos e a uma indemnização de 170 mil milhões.

A fraude em pirâmide assumiu os contornos clássicos que foram celebrizados pelo empresário norte-americano Charles Ponzi, na década de 1920. Madoff recebia as poupanças dos seus clientes – entre os quais estavam milionários americanos, celebridades do desporto e do cinema, políticos – e não cumpria nenhuma das estratégias que lhes apresentava. Pelo contrário, depositava o dinheiro numa conta que usava para pagar a outros clientes, cujos investimentos chegavam ao fim ou eram resgatados. Quando rebentou, a “pirâmide” já tinha mais de 50 mil milhões de dólares “fictícios”.

“Eu acreditei que isto [receber de uns para pagar a outros] iria ser uma solução de curto prazo, que poderia ser compensada assim que o mercado recuperasse”, explicou num email enviado da prisão em 2013. 

O caso de Bernard Madoff atingiu uma dimensão financeira, política e mediática que teve consequências não só na confiança dos investidores em Wall Street, já abalada pela crise bancária em curso, mas também na regulação dos mercados financeiros. Em particular, por ter revelado uma inesperada incapacidade de antecipar colapsos desta dimensão, apesar dos avisos que vinham sendo feitos desde o início da década.

Os supervisores, em particular a Securities Exchange Comission (SEC), estiveram na mira das críticas pelo benefício da dúvida que foi sendo dado ao gestor de fortunas, sempre que confrontado com suspeitas sobre a sua actuação. Num inquérito interno, uma equipa de investigadores denunciou a passividade da SEC, referindo mesmo que “sempre que Madoff dava respostas contraditórias ou evasivas a questões importantes, [os responsáveis da SEC] limitavam-se a aceitar como plausíveis a suas explicações”.

Um negócio familiar

A carreira de 50 anos de Bernie (nome com que ficou célebre na elite norte-americana) começou aos 22 anos, com o lançamento da sua própria sociedade de investimentos, tendo atingido na década de 1990 o seu auge de notoriedade em Wall Street, quando ascendeu ao topo do Nasdaq, o mercado de empresas tecnológicas nos Estados Unidos.

Durante o seu percurso, Madoff celebrizou-se na comunidade financeira por ter ajudado a implementar alguns dos sistemas mais inovadores da negociação electrónica, que expandiram as transacções para além do espaço físico da Bolsa de Nova Iorque.  

Com a passagem dos anos e a sofisticação dos mercados financeiros, a sociedade de Madoff ganhou dimensão e transformou-se num negócio familiar, com o apoio da sua mulher e a nomeação dos seus dois filhos para cargos executivos. Assim que o Lehman Brothers colapsou e gerou uma das maiores rupturas financeiras da história da economia americana, com centenas de falências e quedas abruptas do mercado bolsista, a pirâmide montada por Madoff ruiu, com a forte pressão para devolver dinheiro aos investidores em pânico a não ser compensada pelos recebimentos na base, onde as entradas de novas aplicações secaram imediatamente.

Quando alegadamente confessou aos seus dois filhos que existia o esquema em pirâmide em vez do negócio legítimo de investimentos, os gestores da empresa de negociação de títulos (associada à de gestão de carteiras) denunciaram a actividade ilegal. Madoff afirmou sempre que ele era o único responsável pelo esquema, mas o processo judicial acabou por envolver dezenas de trabalhadores da empresa, incluindo os seus familiares. E provocaria três suicídios entre os investigados, incluindo um dos filhos de Madoff.

A maior parte dos envolvidos acabaria por chegar a acordo com os investigadores, incluindo a sua mulher, tendo sido condenados por vários crimes, mas não por conhecerem os contornos do esquema fraudulento. Já o banco que mais colaborava com Madoff, o JP Morgan Chase, chegou também a acordo com as vítimas e aceitou pagar 2,6 mil milhões de dólares ao governo norte-americano por não ter implementado medidas que tivessem accionado o alarme sobre a actuação do gestor de fortunas.

Em Portugal, o caso também fez vítimas, mas a real dimensão do impacto nunca se conheceu por completo, ao contrário de Espanha, onde a fotografia dos danos foi tornada pública pelos bancos. 

A actuação de Madoff foi paradigmática de um padrão de crimes a que se assistiu em todo o mundo durante a crise financeira de 2009. Perante a súbita perda de valor dos activos (acções, dívida e outros mais sofisticados) e a complexa estrutura de investimentos que assentava em posições suportadas em dívida sem garantias reais, os gestores de carteiras procuraram usar o dinheiro que lhes era entregue em confiança para pagar as responsabilidades assumidas anteriormente.

Em Portugal, os casos mais comparáveis envolveram as obrigações da SLN vendidas aos balcões do BPN, os produtos de retorno absoluto do BPP ou o papel comercial do BES, que deixaram milhares de lesados sem o dinheiro que tinham entregado aos bancos. Desde então, correm os mediáticos processos em tribunal com os rostos conhecidos de José Oliveira Costa (já falecido), João Rendeiro e Ricardo Salgado.

Antes, em Portugal, o esquema em pirâmide que mais lesados tinha provocado fora montado com selos das entidades espanholas Fórum Filatélico e Afinsa.

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