Japão anuncia descarga de água de Fukushima perante oposição na China e Coreia do Sul
É um passo essencial no longo processo de desactivação da central nuclear que foi destruída pelo terramoto e tsunami de 2011, mas tem custos políticos.
O Japão anunciou que vai avançar com a descarga para o mar de mais de um milhão de metros cúbicos de água que está armazenada na central nuclear de Fukushima, um passo essencial no longo processo de desactivação do complexo, mas que os vizinhos chineses e sul-coreanos dizem ser “extremamente irresponsável”.
De acordo com os planos do Governo japonês, os próximos dois anos vão ser dedicados à continuação das operações de filtragem e à construção das infra-estruturas necessárias, para que a empresa Tokyo Electric Power esteja em condições de fazer a primeira descarga em 2023.
Dez anos após o segundo maior acidente nuclear da História – depois de Chernobil, em 1986 –, o longo e perigoso processo de descontaminação e desmantelamento da central de Fukushima continua a ocupar as autoridades japonesas, não se prevendo uma conclusão antes de 2050.
Um dos passos necessários é precisamente a descarga da água contaminada que foi bombeada do Oceano Pacífico, durante um mês, para ser deitada nos reactores após o sismo seguido de tsunami que destruiu a central, em 2011. Segundo as autoridades japonesas e os especialistas internacionais, as descargas de água filtrada de centrais nucleares são operações de rotina em todo o mundo.
"Falta de confiança"
Em Março, por ocasião do 10.º aniversário do acidente nuclear, o PÚBLICO falou com José Marques, físico nuclear do Instituto Superior Técnico (IST) e vice-presidente do IST para o Pólo de Loures, que salientou o aspecto político das operações de descarga das águas.
“Neste momento, a central de Fukushima tem um armazenamento absolutamente gigantesco de água: 1,2 milhões de metros cúbicos de água em depósitos, que já foi parcialmente tratada, mas que consideram que não tem condições políticas para ser descarregada no Pacífico. Há o impacto negativo da falta de confiança.”
Mantém-se ali o equivalente a 480 piscinas olímpicas. O principal isótopo que está nessa água é o trítio. “A julgar pelos valores que tem, os Estados Unidos rotineiramente descarregam mais trítio no oceano do que o que existe no Japão”, disse José Marques.
Para além de a descarga ser um passo essencial com vista à desactivação da central, a manutenção da água no complexo é também muito dispendiosa e o espaço é finito – por ano, o Japão gasta mais 700 milhões de euros só no armazenamento.
A decisão é anunciada três meses antes do início dos Jogos Olímpicos de Tóquio, que tem algumas provas programadas a cerca de 60 quilómetros da central de Fukushima. Em 2013, o antigo primeiro-ministro japonês Shinzo Abe garantiu ao Comité Olímpico Internacional que Fukushima “nunca irá prejudicar Tóquio”.
Apoio dos EUA
A filtragem remove a maior parte dos isótopos à excepção do trítio, que é muito difícil de separar da água. Num segundo passo, a água filtrada é diluída até que os níveis de trítio desçam para valores permitidos por lei, e só depois a água será bombeada para o oceano.
O trítio é um isótopo radioactivo relativamente inofensivo porque não emite energia suficiente para penetrar a pele humana. Outras centrais nucleares em todo o mudo costumam bombear água com baixos níveis de trítio para o oceano.
Os Estados Unidos salientaram que o Japão tem trabalhado em grande proximidade com a Agência Internacional de Energia Atómica.
“Nesta situação singularmente desafiante, o Japão tem avaliado as opções e as consequências e tem sido transparente nas suas decisões. Esta decisão [sobre a descarga da água] está de acordo com os procedimentos de segurança aceites em todo o mundo”, lê-se num comunicado do Departamento de Estado norte-americano.
Preocupações dos vizinhos
Mas os vizinhos do Japão estão menos confiantes, e tanto a China como a Coreia do Sul já pediram a Tóquio que faça mais estudos e que admita mais sugestões externas.
“Esta decisão é extremamente irresponsável e vai afectar de forma séria a segurança e a saúde pública internacionais, incluindo os interesses vitais das populações nos países vizinhos”, disse o Ministério dos Negócios Estrangeiros da China num comunicado.
E a Coreia do Sul manifestou preocupação com a possibilidade de que a descarga de água “tenha impactos directos e indirectos na segurança das populações e do ambiente envolvente”, e anunciou que vai reforçar a sua própria operação de monitorização da radioactividade.
Esta terça-feira, o Governo sul-coreano chamou o embaixador japonês em Seul, Koicho Aiboshi, para conversações sobre o anúncio do plano para a descarga das águas de Fukushima, avançou o canal YTN.
As preocupações estendem-se a Taiwan e também ao próprio Japão, onde os sindicatos das pescas têm pressionado o Governo a não libertar a água de Fukushima para o oceano, temendo “um impacto catastrófico na indústria”.