Silêncio, quem manda está a trabalhar
No meio de tudo isto, Portugal preside ao Conselho da União Europeia e Ursula von der Leyen, presidente da Comissão, foi discriminada na terça-feira, durante uma visita à Turquia, por um imitador de ditadores e por um colaboracionista.
Ainda não passaram 50 anos sobre o mais maravilhoso dia da nossa História contemporânea — continuo à espera que o poder democrático escolha outra data para celebrar o país, Camões e a diáspora portuguesa, porque manter o tristemente célebre dia da raça que a ditadura tanto apreciava é mais do que uma incongruência e um fenómeno deslocado no tempo — e já não estamos à altura de merecer aquilo que alguns bravos fizeram por nós. Só precisamos de olhar à nossa volta para perceber como o espírito do 25 de Abril, os ideais que foram defendidos e planeados para Portugal, continuam em grande parte por cumprir. E não estou a referir-me a projectos que desrespeitavam a Democracia e a Liberdade — refiro-me a todas as perversões que identificamos no dia-a-dia e nas mais variadas áreas da sociedade portuguesa. Por exemplo, assim que admitimos a presença no Parlamento de uma força política que insulta os direitos, liberdade e garantias e, com isso, nos insulta a todos.
Por muito que o país tenha evoluído, beneficiando com apoios da Europa, a desigualdade mantém-se, esmagando os mais desfavorecidos e elevando os mais poderosos. A pandemia só tem servido para nos tornar mais conscientes dessa realidade todos os dias. A precariedade atinge níveis gritantes sem que sejam apoiados a tempo aqueles que dessa ajuda mais necessitam, apesar de todos os esforços da sociedade civil. Do lado do poder político, ainda agora foi mais importante um braço de ferro para se perceber quem manda do que a genuína preocupação com aqueles que devem ser o centro de todas as governações: os cidadãos. Alguma coisa tem de estar muito errada quando, em vez de exaltarmos a solidariedade e a capacidade de se colocar ao serviço daqueles por quem um político é eleito, aquilo que recebe elogios é a “capacidade táctica” ou a ideia de “fazer mal” a outro político, dependendo de quem é o sujeito da frase com a qualificação.
Faltam meios para acudir à Saúde e, com isso, a todos nós, mas ficamos a saber que parte da despesa prevista no Orçamento do ano passado nem sequer foi executada. A Justiça descredibiliza-se e é descredibilizada a eito. Quais são os resultados do combate à corrupção? As empresas agem conforme lhes apetece com os trabalhadores, agora eufemisticamente designados por “colaboradores”. O tecido social está desequilibrado, abatido, em depressão profunda. A Cultura tem dificuldades em respirar.
No meio de tudo isto, Portugal preside ao Conselho da União Europeia e Ursula von der Leyen, presidente da Comissão, foi discriminada na terça-feira, durante uma visita à Turquia, por um imitador de ditadores e por um colaboracionista. O Governo austríaco ergueu a voz, Mario Draghi classificou quem promoveu o atropelo. Muitas outras pessoas denunciaram a questão. Vários dias se passaram. Da portuguesa presidência do Conselho da União Europeia ou de outras autoridades políticas de Portugal nem pio. Apesar da proliferação de presença em redes sociais. Compreendo, quem dirige tem mais que fazer. Afinal, foi só (mais) uma mulher que acabou de ser discriminada. Quantas vezes, por hora, acontece isso em Portugal, na União Europeia e por esse mundo fora sem que o silêncio impere?