Kim Jong-un: Coreia do Norte enfrenta ameaça de fome sem precedentes
Líder norte-coreano referiu-se à “marcha árdua”, um termo usado em referência à fome terrível dos anos 1990. ONU já avisara que o país atravessa “uma grave crise alimentar” que já está a provocar fome e malnutrição.
O líder da Coreia do Norte pediu aos cidadãos para se prepararem para tempos difíceis, comparando pela primeira vez a situação actual com a terrível fome vivido no país na década de 1990, uma crise precipitada pela perda da assistência da União Soviética e que provou um número de mortos calculado entre as centenas de milhares e os dois a três milhões.
Kim Jong-un já admitira que o país, um dos mais fechados e menos livres do mundo, enfrenta a pior situação económica “de sempre” devido à pandemia de covid-19, às sanções internacionais e a um conjunto de desastres naturais, incluindo as piores secas em décadas, mas nunca tinha usado esta comparação.
Segundo a BBC, não é claro se há qualquer ajuda externa a entrar neste momento no país, com o regime a rejeitar ofertas e quase todos os diplomatas e trabalhadores humanitários (incluindo do Programa Alimentar Mundial da ONU) ausentes. O encerramento da fronteira com a China levou o comércio a diminuir 80% em 2020, depois de já ter caído significativamente em 2018, quando as sanções da ONU contra o programa nuclear foram alargadas.
“Decidi pedir ao Partido dos Trabalhadores que se organize a todos os níveis, incluindo no seu Comité Central, para travar outra ‘marcha árdua’, mais difícil, para aliviar o nosso povo da dificuldade, mesmo que apenas um pouco”, afirmou Kim Jong-un numa conferência do partido. “Marcha árdua” é o termo usado pelos responsáveis norte-coreanos para se referirem à fome dos anos de 1990, que deixou o país dependente de ajuda externa durante anos.
“Não é raro que Kim Jong-un fale de dificuldades e privações, mas desta vez a linguagem é bastante severa, e isso é diferente”, disse à BBC Colin Zwirco, analista no site americano NK News, que acompanha a Coreia do Norte.
O relator especial da ONU para os Direitos Humanos na Coreia do Norte, Tomás Ojea Quintana, avisou num relatório do mês passado que o país vive “uma grave crise alimentar” que já está a provocar fome e malnutrição. “Há pessoas a morrer à fome e um aumento do número de crianças e de pessoas mais velhas a pedir nas ruas, com as suas famílias incapazes de as sustentar”.
Outro relatório recente, de uma investigadora da Human Rights Watch, garante que “quase não há comida a entrar no país vinda China”. Citando contactos no interior da Coreia do Norte, Lina Yoon escreve que “há muitos mais pedintes, algumas pessoas morreram à fome zona de fronteira e não há sabão, pasta de dentes ou pilhas”.
Segundo Zwirco, Pyongyang já deu sinais de querer voltar a aumentar as trocas com a China, “mas a Coreia do Norte continua extremamente paranóica com o vírus”. Oficialmente, o encerramento da fronteira quase impediu a entrada da covid-19 no país.
O discurso de Kim encerrou uma reunião do partido com milhares de membros de base, os chamados secretários de célula. Ao abrir o encontro, o líder norte-coreano já dissera que aliviar a vida das pessoas face à crise dependeria destes grupos locais.
De acordo com Laura Bicker, correspondente da BBC em Seul, Kim quer garantir que os avisos são feitos por si, “talvez para poder apontar o dedo aos responsáveis por não responderem às suas ordens quando as coisas piorarem”.
Apesar da pandemia e das sanções, o regime continua a gastar dinheiro fabricando e testando novos mísseis, lembra Bicker, notando que enquanto os testes de armas “são algo que nós podemos ver em imagens de satélite ou fotos oficiais”, os norte-coreanos “não podem fazer-nos chegar imagens do seu sofrimento” sem correrem sérios riscos.
Alguns peritos dizem que a situação não se vai transformar numa fome generalizada porque a China não o permitirá, temendo uma enchente de refugiados, escreve o diário The Guardian. Quando Kim e o Presidente chinês, Xi Jinping, trocaram mensagens, em Março, os media norte-coreanos disseram que Xi se comprometeu a “proporcionar uma vida melhor aos povos dos dois países”, lembra o jornal britânico, com alguns a ler nessas palavras uma indicação de que Pequim se prepara para fornecer em breve alimentos e fertilizantes à Coreia do Norte.