Ivo Rosa liberta Granadeiro e Bava das acusações de corrupção por Ricardo Salgado
Os dois antigos homens fortes da Portugal Telecom ficaram associados à derrocada do antigo colosso empresarial, mas Ivo Rosa rejeitou a tese do Ministério Público de que receberam “luvas” de Ricardo Salgado para gerir o grupo de telecomunicações ao sabor dos interesses do seu principal accionista, o GES.
O ex-presidente da administração da Portugal Telecom (PT) Henrique Granadeiro e o ex-presidente executivo Zeinal Bava foram ilibados de todos os crimes de que estavam acusados, segundo a decisão instrutória da Operação Marquês.
Bava e Granadeiro, que passaram de gestores de luxo a alvos de suspeita, e foram acusados de terem contribuído para a derrocada do antigo colosso empresarial português, puderam hoje respirar de alívio ao ouvir do juiz de instrução criminal Ivo Rosa a notícia de que foram ilibados dos crimes de corrupção e peculato de que estavam acusados na operação centrada no ex-primeiro ministro José Sócrates.
A decisão instrutória, que fez cair as acusações de corrupção contra Sócrates, também deixou sem efeito todas as acusações contra os dois gestores envolvidos nas decisões que deixaram a PT nas mãos dos brasileiros da Oi e à beira do colapso com o empréstimo ruinoso de 900 milhões de euros à Rioforte, holding não financeira do Grupo Espírito Santo (GES).
A bola passa agora para o Ministério Público, que já disse que vai recorrer da decisão num prazo de 120 dias.
O juiz Ivo Rosa, que ao longo da leitura da decisão, fez vários comentários depreciativos ao trabalho do Ministério Público, usando termos como “inconsequente”, “inócuo”, “incoerente” ou “incongruente” também não aceitou o entendimento de que Bava e Granadeiro foram corrompidos por Ricardo Salgado (igualmente ilibado).
Para serem corrompidos, os dois ex-líderes do grupo PT, que começaram a ganhar grande notoriedade no período da fracassada Oferta Pública de Aquisição (OPA) da Sonaecom, teriam de ser funcionários ao serviço de uma empresa pública.
Mas Ivo Rosa entendeu que a concessionária do serviço de telecomunicações público era a PT Comunicações e não a PT SGPS, que era onde os factos sob investigação ocorriam, o que significa, para o magistrado, que os dois gestores não tinham estatuto de funcionários públicos.
“A partir daí, caiu tudo”, sintetizou o advogado de Bava, José António Barreiros, à saída do tribunal, depois da leitura da decisão. O antigo presidente executivo da PT e da brasileira Oi estava acusado de cinco crimes: corrupção passiva (um), branqueamento de capitais (um), falsificação de documento (um) e fraude fiscal qualificada (dois).
Segundo a acusação do Ministério Público, Zeinal Bava terá recebido cerca de 25,2 milhões de euros, entre 2007 e 2011, através da Espírito Santo Enterprises (o alegado saco azul do GES).
Trataram-se, segundo o Ministério Público, de subornos pagos por Ricardo Salgado, para que o gestor beneficiasse os interesses do Grupo Espírito Santo, que era o accionista de referência da PT. Ivo Rosa entendeu de outra forma.
No caso de Granadeiro, que acumulava a presidência executiva e a presidência da administração da PT quando o escândalo da Rioforte rebentou (no Verão de 2014), o Ministério Público sustentou que recebeu da Espírito Santo Enterprises um total de 24 milhões de euros para defender os interesses do GES.
O antigo líder da PT estava acusado de oito crimes: um de corrupção passiva, dois de branqueamento de capitais, um crime de peculato, outro de abuso de confiança e três crimes fraude fiscal qualificada.
O Verão quente de 2014
Envolvidos em suspeitas estão alguns momentos particulares que acabaram por ditar o destino da PT: o momento de oposição à OPA do grupo Sonae (dono do PÚBLICO), que resultou na separação entre a PT e a PT Multimédia (de que o GES também era um dos principais accionistas), a venda da participação da PT na brasileira Vivo à Telefónica e o acordo para a entrada no capital da Oi, uma companhia brasileira deficitária.
Esta acabaria por revelar-se, na prática, uma venda dos activos operacionais da PT (a PT Portugal) e das participações em empresas africanas ao grupo brasileiro.
Granadeiro viria a demitir-se da PT a 7 de Agosto de 2014, na sequência do incumprimento da Rioforte, não sem antes lançar uma farpa a Bava: “Convivo bem com os meus actos, mas não com os encargos e responsabilidades de outros”, disse então o presidente cessante da PT, no comunicado em que anunciou a renúncia ao cargo.
Antes disso, a 3 de Agosto, havia ficado selado o destino do BES, quando o então governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, comunicou a resolução do banco controlado pela família Espírito Santo, que foi divido num dito “banco bom” (o Novo Banco) e num banco mau, para onde passaram os chamados activos tóxicos.
Já Zeinal Bava, que depois de conhecido o investimento na Rioforte também quis sacudir responsabilidades lembrando que estava no Brasil e afastado da gestão da PT há mais de um ano, não resistiu muito mais tempo na Oi, acabando por ser afastado em Outubro de 2014.
Apesar de se terem mantido longe dos radares nos últimos anos, ainda na semana passada se soube que o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a sentença do Tribunal da Concorrência, que em Dezembro reduziu as coimas aplicadas pela Comissão de Mercado dos Valores Mobiliários (CMVM) a estes dois gestores na sequência dos investimentos em dívida de curto prazo da Rioforte que não foi reembolsada.
O acórdão da Relação é passível de recurso até ao Tribunal Constitucional, mas, para já, Henrique Granadeiro viu-lhe confirmada a coima de 420.000 euros, e Zeinal Bava outra de 310.000 euros.