257 anos para a igualdade de género
A perda de rendimentos, a precariedade laboral e o aumento o trabalho doméstico não remunerado podem apagar anos de conquistas na igualdade de género. O mito de que o homem providencia e a mulher cuida continua a atrasar-nos. Daqui a 275 anos, nenhuma de nós estará cá para celebrar.
O World Economic Forum (WEF) prevê que, a nível global, ainda tenhamos de esperar 257 anos para atingir a igualdade económica entre mulheres e homens. As desigualdades de género criadas pela pandemia podem atrasar ainda mais este processo. Os dados já disponíveis sugerem que a desvantagem das mulheres no mercado de trabalho pré-pandemia se agravou, uma vez que as mulheres concentram maiores perdas de rendimento e uma sobrecarga de tarefas domésticas.
As mulheres são a maioria da força de trabalho dos setores mais afetados pela pandemia – a Restauração, os Alojamentos Turísticos e a Moda e Acessórios –, com 58%, 57%, e 84% de trabalhadoras, respetivamente. Estes setores tiveram uma quebra nas compras com meios de pagamento eletrónico superior a 80% entre em abril de 2020 e de 2019. Estes números da SIBS Analytics mostram que é provável que os trabalhadores destes setores tenham também sido severamente prejudicados. Na primeira edição do relatório “Portugal, Balanço Social”, que resulta de uma parceria da Nova SBE com a Fundação La Caixa, o Bruno P. Carvalho, a Susana Peralta e eu tentamos perceber quem são estes trabalhadores. Dados do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, que agregam informação dos trabalhadores do setor privado, mostram que são sobretudo pessoas com salários baixos e vínculos precários.
Em 2018, na Restauração, o salário bruto médio era 761€/mês e 78% dos trabalhadores recebiam menos do que o salário mediano nacional (867€). A proporção de contratos de trabalho a termo certo (e, portanto, mais precários) no setor dos Alojamentos Turísticos é de 48%, quase o dobro da média nacional. A Restauração concentra também um maior número de trabalhadores com escolaridade básica e mão de obra estrangeira. Além de estarem numa situação à partida mais frágil, com a pandemia, e uma vez que a maior parte destas atividades não são compatíveis com teletrabalho, estes trabalhadores terão perdido rendimentos (ou mesmo o emprego).
Algumas profissões são compatíveis com teletrabalho, o que permitiu a muitos trabalhadores destas profissões manterem o seu nível de rendimento. Ainda assim, estes trabalhadores não foram imunes ao impacto da pandemia. Em muitos casos, custos de telecomunicações, água e energia foram transferidos do empregador para o trabalhador. Além disto, o confinamento torna mais difícil a separação da vida profissional e familiar, e pode amplificar o stress e ter importantes impactos na saúde psicológica. As mulheres foram particularmente sobrecarregadas, por exemplo porque são elas quem mais cuida de crianças e dependentes em casa. Já antes da pandemia, o Inquérito às Condições de Vida e do Rendimento (ICOR), disponibilizado pelo INE, mostrava que, em 2019, entre as que trabalhavam menos de 30 horas semanais, 11,5% apontam o tempo despendido com o trabalho doméstico e a cuidar de crianças como uma razão (face a apenas 0,6% dos homens) e apenas 1,3% afirma estar a estudar ou a receber formação (face a 16% dos homens).
A pandemia não ajudou. Um estudo representativo que entrevistou 800 mulheres italianas antes e depois do início da pandemia sugere que a carga de trabalho doméstico aumentou para as mulheres, enquanto que os homens aumentaram o tempo com os filhos, mas não o tempo dedicado a outras tarefas domésticas. Inquéritos realizados no Reino Unido, em março de 2020, mostram que as mulheres cuidam dos filhos independentemente de trabalharem ou não, enquanto os homens cuidam mais dos filhos quando não estão a trabalhar. Também nos Estados Unidos, um inquérito realizado numa semana de junho de 2020 mostra que 12,7% das mães, contra apenas 2,8% dos pais, não estava a trabalhar devido ao fecho de escolas e creches. Os autores estimam que este fenómeno contribuiu para o aumento em quase três pontos percentuais da taxa de desemprego entre mães de crianças pequenas. Em Portugal, segundo os números do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), até agosto de 2020, as mulheres tinham menos probabilidade de regressar ao trabalho depois de se inscreverem no centro de emprego.
A pobreza já afetava mais as mulheres antes da pandemia. Em 2019, ser pobre em Portugal significava ganhar menos de 6014€ por ano (isto é, 501€ por mês). Em média, 18% das mulheres vivia abaixo deste limiar (versus 16,5% dos homens). A taxa de pobreza atinge os 34% em famílias monoparentais, onde em 85% dos casos o adulto é uma mulher. Antes da pandemia, segundo a OCDE, mesmo quando trabalhavam, as mulheres ganhavam menos – em média, uma mulher ganha 0,73€ por cada 1€ ganho por um homem com o mesmo nível de escolaridade. O nascimento do primeiro filho é um dos determinantes desta disparidade salarial. Um relatório de 2016 do Institute for Fiscal Studies mostra que, no Reino Unido, as mulheres ganham 0,90 libras por cada libra ganha pelos homens antes do nascimento do primeiro filho e apenas 0,75 libras quando o filho chega aos 12 anos. Quando os filhos atingem 20 anos de idade, as mães têm, em média, menos quatro anos de trabalho remunerado do que os pais.
A perda de rendimentos, a precariedade laboral e o aumento o trabalho doméstico não remunerado podem apagar anos de conquistas na igualdade de género. O mito de que o homem providencia e a mulher cuida continua a atrasar-nos. Daqui a 275 anos, nenhuma de nós estará cá para celebrar.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico