Podia começar por abordar a pobreza, a subnutrição, a malária, a pólio ou a poluição, mas não. Vou centrar-me noutros três aspectos igualmente urgentes para as crianças: a saúde mental, os conflitos e os episódios climáticos extremos.
A fadiga pandémica está a aumentar a ansiedade e a depressão nas crianças. Os mais novos sentem-se angustiados, amedrontados, cansados e frustrados. O isolamento social, a constante alteração das rotinas escolares e diárias, os amigos e familiares infectados pela covid-19, o medo da pandemia e a incerteza dos tempos que vivemos são apenas alguns dos factores de stress.
A infância está profundamente alterada. Os nossos filhos e netos vão enfrentar um conjunto de desafios e mudanças transformadoras e ainda não sabemos com que tipo de resiliência emocional e com que recursos naturais. Mas sabemos que a desigualdade entre países desenvolvidos e em desenvolvimento é profunda. Há famílias inteiras a sofrer de ansiedade e depressão e há famílias inteiras a migrar.
A saúde mental está a mudar e o clima também. As crianças estão em sofrimento e o planeta também. Em Portugal, segundo a Administração Central do Sistema de Saúde, as consultas de psiquiatria infantil aumentaram 5,3% entre Março e Dezembro de 2020, quando comparado com os mesmos meses de 2019. Os casos registados nas urgências também foram mais graves.
Em 2019, a UNICEF alertou que uma em cada quatro crianças vivia em países afectados por violentos conflitos ou desastres naturais, com 28 milhões de crianças expulsas de suas casas devido a guerras e insegurança. Os conflitos e os desastres naturais já tinham interrompido o ensino de 75 milhões de crianças e jovens, muitos dos quais se viram obrigados a migrar dentro ou fora das suas fronteiras.
Até 2040, uma em cada quatro crianças viverá em áreas de escassez de água e milhares ficarão doentes pela água poluída. Mais de metade da população mundial tem menos de 30 anos e a grande maioria já é fortemente atingida pela pobreza, pelas alterações climáticas e pela desigualdade. Estes números tenderão a aumentar significativamente, à medida que os episódios climáticos extremos acontecerem.
As nossas crianças têm pela frente três grandes precipícios: a saúde mental, um mundo desfragmentado e a crise climática. As crianças são, e continuarão a ser, muito vulneráveis a todos os impactos e consequências destes abismos, mas nós podemos mudar esta realidade.
Como? Planeando e implementando os planos de recuperação económica com as crianças, a igualdade e o planeta no centro de tudo. Investir na saúde, na educação e no desenvolvimento infantil traz benefícios que se intensificam ao longo da vida da criança e, mais tarde, do adulto. Investir na igualdade e no desenvolvimento sustentável, combatendo as alterações climáticas, contribui para um planeta onde todas as gerações – a nossa, a dos nossos filhos e as que se seguirão – serão mais felizes e mentalmente sãs.
A infância é um momento especial de vulnerabilidade, mas também de oportunidade. Cabe aos adultos garantir que os mais novos terão futuro. Abandonar as aspirações das nossas crianças seria desperdiçar o potencial da humanidade.