Luso-venezuelanos fogem da crise para Espanha e Chile por dificuldades no português
“Talvez entendam, mas falar e escrever é complicado, por isso emigram para a Espanha” ou para o Chile, referiu o director da Escola de Administração e Contabilidade da Universidade Católica Andrés Bello.
Os luso-descendentes que escapam da crise na Venezuela optam pela Espanha, Chile e outros países de idioma castelhano, porque têm dificuldades em falar português, alertou o director da Escola de Administração e Contabilidade da Universidade Católica Andrés Bello (UCAB).
“Desde 2014, tem havido uma debandada de famílias inteiras procurando novos destinos. A população luso-descendente que habitualmente tinha familiares em Portugal, ou tinha a possibilidade de recomeçar a sua vida em Portugal, voltava. Mas, mais do que para Portugal (…) também emigraram para outros países”, afirmou Miguel Gonçalves Freitas.
O director da escola da UCAB falava à agência Lusa na sede em Caracas, explicando que muitos luso-descendentes que nasceram na Venezuela “têm o mesmo problema” que ele próprio “com a questão de falar português”.
“Talvez entendam, mas falar e escrever é complicado, por isso emigram para a Espanha, Santiago do Chile [no Chile], procurando outras culturas, outras sociedades, onde podem viver com mais tranquilidade e ter um projecto de vida com mais futuro”, notou.
Por outro lado, explicou que os portugueses têm um espírito de navegante “implícito na sua genética, então tentam sempre procurar a melhor qualidade de vida possível e quando a Venezuela já não lhes pode oferecer essa qualidade vida, não pensam muito para ir buscá-la” noutro país.
O responsável da UCAB salientou que até “à década de 1990” a emigração venezuelana estava “muito travada”, era apenas “especializada, de profissionais que perceberam que o seu trabalho era melhor remunerado fora, noutros países do que na Venezuela”.
“A Venezuela é complicada, é uma sociedade que passou por muitas mudanças, onde ocorreram crises muito severas. Nós que ficámos aqui esperamos que com o nosso trabalho e contribuição para a sociedade possamos conseguir algum câmbio, mas não necessariamente político, nas condições de vida (…), mas é evidente que há muitas pessoas que emigraram”, disse.
Para Miguel Gonçalves, os luso-descendentes são conhecidos por tratarem de fazer o seu trabalho da melhor maneira e manter boas condições de vida, nos familiares e parentes.
“Não necessariamente as mudanças na sociedade têm a ver estritamente com a questão política. Essa é a visão de muitos luso-descendentes. Acreditamos que, ao fazer o melhor possível o nosso trabalho, contribuímos para uma sociedade melhor e que em algum momento haverá mudanças nalgumas regras económicas e comerciais que vão facilitar e melhorar a qualidade de vida”, frisou.
Para os luso-descendentes “é hora de reciprocidade”
Miguel Gonçalves Freitas referiu que a UCAB está na disposição de “apoiar, procurar consenso, dialogar com todos os sectores” por ter uma visão de universalidade e ser “a casa de todos”, do conhecimento.
Por outro lado, acrescentou, a escola que dirige é a que tem mais luso-descendentes, dentro da universidade, por estar “mais ligada ao tema dos negócios” e porque a comunidade portuguesa local “gere muitos estabelecimentos comerciais, supermercados, padarias, lojas de ferragens”, cuja gestão os empresários portugueses querem delegar aos filhos.
“Na minha equipa, metade dos coordenadores são luso-descendentes”, revelou o responsável, considerando que os portugueses são alunos respeitosos nas formas de se dirigir aos professores e autoridades, “muito responsáveis, cumpridores, atentos às suas atribuições”, e “têm um jeito para resolver rápido as coisas, evitar conflitos”.
Além de feliz e participativo, descreveu, o aluno luso-descendente é fácil de identificar, porque tem algum símbolo como uma Nossa Senhora de Fátima, um galo de Barcelos, bem como o tipo de gastronomia e alguma expressão relacionada com o futebolista Cristiano Ronaldo.
O director da UCAB recordou que, no passado, os pais estiveram sempre atentos à família que ficou em Portugal, mandavam dinheiro para a avó e as tias, porque a situação portuguesa, nos anos de 1970 era complicada e havia que “lutar muito”.
“Tal como os emigrantes contribuíram e muito ajudaram na reconstrução de Portugal, na consolidação de Portugal no seio da comunidade europeia (…), é tempo que as autoridades portuguesas, além dos encontros culturais e de proximidade com as pessoas, olhem para os portugueses e luso-descendentes que aqui ficaram, que muito apreciariam um tratamento diferenciado”, advogou.
Ou seja, para os luso-descendentes, vincou, “é hora de reciprocidade”.
Nesse sentido, devem ser facilitadas as homologações de títulos e níveis de formação, para que os luso-venezuelanos possam entrar no mercado de trabalho em Portugal.
Miguel Gonçalves Freitas defendeu que também urge “retomar a boa prática do idioma” e apoios para que os luso-descendentes possam pagar a universidade, como contrapartida por trabalho social que ajude a comunidade.