Birmânia: manifestantes fazem greve do lixo quando vítimas de repressão passam as 500

Testemunhas relatam uso de armas de maior calibre pelo exército contra os manifestantes. Combates entre grupos insurrectos de minorias étnicas e militares têm-se intensificado nos últimos dias.

Foto
EPA

Montes de lixo acumulavam-se nas ruas da cidade principal da Birmânia depois de activistas terem lançado uma “greve do lixo” contra a junta militar que lidera o país. Na repressão dos protestos contra o golpe militar de 1 de Fevereiro, já morreram mais de 500 pessoas.

Entre 14 civis mortos na segunda-feira, a Associação de Apoio a Prisioneiros Políticos diz que oito morreram num só distrito da maior cidade, Rangum. Testemunhas no local dizem que os militares dispararam armas de calibre maior do que o habitual em direcção a manifestantes que se barricavam atrás de sacos de areia. Não era claro de que tipo de arma de tratava, mas acredita-se que pudesse ser um tipo de lança granadas.

A televisão estatal disse que forças de segurança usaram “armas de motim” para dispersar uma multidão de “terroristas violentos” que estavam a destruir um pavimento.

“Houve disparos toda a noite”, disse um residente da zona de South Dagon. Um corpo carbonizado foi encontrado na rua, sem que ninguém soubesse o que lhe acontece. O corpo foi levado por militares.

Noutras cidades, milhares de protestos decorreram sem violência. O secretário da ONU, António Guterres, pediu aos generais para parar as mortes e a repressão dos manifestantes.

Uma campanha de desobediência civil contra os militares paralisou grande parte da economia e numa nova táctica, os manifestantes procuraram mais um passo: pedir aos birmaneses que deixem o seu lixo em alguns dos cruzamentos principais da cidade.

Imagens nas redes sociais mostravam cruzamentos com lixo a amontoar-se. “A greve do lixo é uma greve de oposição à junta”, dizia uma declaração nas redes sociais. “Todos se podem juntar.”

Os militares contrapuseram uma acção com altifalantes pelas ruas da cidade, em que se pedia aos manifestantes para fazer uma correcta eliminação do lixo.

Enquanto isso, há registo de pelo menos 510 civis mortos em quase dois meses de protestos contra o golpe que afastou um governo saído de eleições em Novembro, e da detenção da líder de facto do país, Aung San Suu Kyi. O golpe marcou a interrupção de um processo, iniciado há dez anos, de lenta transição para um poder civil.

O número de mortos no sábado, o dia mais violento até agora, foi de 141.

Um dos grupos ligados à oposição apelou às minorias étnicas do país para se juntarem aos protestos e combaterem a “opressão injusta” dos militares.

Num sinal de que o apelo pode estar a ganhar força, três grupos juntaram-se numa declaração exigindo aos militares que parem de matar manifestantes e que encontrem uma solução política para a crise. Se não, iriam cooperar com todos os grupos étnicos “que se juntaram à revolução da primavera na Birmânia”.

Grupos insurrectos de várias minorias étnicas têm litado contra o governo central durante décadas para terem mais autonomia. Ainda que muitos deles tenham assinado acordos de cessar-fogo, nos últimos dias têm aumentado os combates entre alguns destes grupos e as forças militares no Leste e Norte do país.