Costa considera mensagem de Marcelo sobre apoios sociais “muito criativa”, mas afasta cenário de crise política
Primeiro-ministro diz que o Governo está a “ler com a devida atenção” a nota “muito rica, complexa e inovadora” com que o Presidente da República justificou a promulgação de três diplomas aprovados por coligação negativa no Parlamento.
O primeiro-ministro recorreu a muitos adjectivos - e afirma que o fez sem ironia - para classificar a mensagem com que o Presidente da República justificou a promulgação de três leis de alargamento de apoios sociais extraordinários em tempo de pandemia, aprovadas por coligação negativa no Parlamento: a nota é “muito rica, complexa e inovadora”, até mesmo “muito criativa”.
“Vamos lê-la com a devida atenção e meditação porque é muito rica”, “da primeira à última linha” e “tem um conjunto de conclusões” inovadoras que obriga a “uma reflexão”, afirmou António Costa aos jornalistas, no dia seguinte à promulgação dos diplomas.
Em causa estão três diplomas que aumentam a despesa pública prevista no Orçamento do Estado, concretamente através de apoios a 100% aos pais em teletrabalho com filhos em casa, do aumento dos apoios a trabalhadores independentes e de crescimento da despesa com profissionais de saúde. O Governo não queria que estas leis fossem promulgadas por considerar que violam a norma-travão da Constituição que impede que o Parlamento aumente a despesa pública e avisou mesmo o Presidente de que iria recorrer ao Tribunal Constitucional (TC) caso as leis fossem promulgadas.
Agora, prefere sublinhar que não será por causa disto que haverá uma crise política, pelo menos por iniciativa do Governo: “Não temos tempo nenhum a perder com crises políticas”, afirmou, dizendo que neste momento está sobretudo concentrado no plano de vacinação. E embora também se afirme empenhado em “assegurar o cumprimento da Constituição”, adia a decisão de recorrer ao TC.
“A mensagem do Presidente da República é particularmente interessante e inovadora, rica em conceitos que merecem muita atenção”, justifica. "O que o Presidente diz é que não há preto e branco, não há normas que violem a lei-travão e normas que não violem a lei-travão. Diz expressamente que o Governo aplicará a lei na estrita medida do que está previsto o Orçamento. É algo bastante inovador do ponto de vista da ciência jurídica e o Governo tem o dever de meditar nesta mensagem antes de decidir o que fazer”, afirmou.
António Costa, que falava aos jornalistas após a cerimónia de entrega do prémio IN3+, na Imprensa Nacional/Casa da Moeda, onde esteve ao lado do Presidente da República, acrescentou que essa reflexão demorará “o tempo que for necessário” e recomendou a “todos” que leiam a mensagem presidencial “com muita atenção”. E diz isto, garante, sem qualquer ironia. “É que a mensagem não tem só uma conclusão, tem um conjunto de conclusões, é extensa, tem muitos pontos” e o Governo “tem a obrigação de a ler da primeira à última palavra”.
Questionado sobre se o Governo entende que estão em causa as condições de governabilidade, na medida em que as leis foram aprovadas por toda a oposição mas contra a vontade do Governo, o primeiro-ministro afasta esse cenário, bem como o ser ele a desencadear uma crise política: “As condições de governabilidade só estão em causa quando houver uma moção de censura no Parlamento”. “Eu pela minha parte tenho pouca disponibilidade para a ficção, estou concentrado em coisas concretas”, afirmou.
Desta vez, e ao contrário do habitual, Marcelo Rebelo de Sousa deixou todo o palco para o primeiro-ministro, optando por não prestar declarações aos jornalistas. Mas antes, na cerimónia, fez questão de afirmar que só estava ali porque “em boa hora o senhor primeiro-ministro insistiu”. E assinalou que “há muito poucas cerimónias em que estejam juntos o primeiro-ministro e o Presidente da República”. Uma delas é o 10 de Junho e Marcelo notou que “há um paralelo curioso entre as duas realidades”, pois ambas conjugam “celebração do passado e projecção para o futuro”.
Se António Costa considera a justificação do Presidente para promulgar as leis da discórdia bastante “inovadora”, Marcelo disse no discurso o que pensava sobre inovação: “A nossa história, a história de Portugal, é a história de que fomos grandes quando tivemos inovação”.