Cabo Delgado: Pelo menos sete civis abatidos e um português ferido à porta de hotel em Palma
Centenas de pessoas aguardam resgate em Palma: os jihadistas que controlam a vila moçambicana atiraram contra civis que estavam a ser resgatados. Human Rights Watch confirma relatos de corpos à vista nas ruas.
Várias pessoas foram mortas e um português ficou ferido numa operação de resgate na vila de Palma, perto dos projectos de gás natural de Cabo Delgado, que está desde quarta-feira sob ataque dos jihadistas. Três dias depois dos primeiros ataques contra vários alvos na vila e no distrito de Palma, no Norte desta província moçambicana, há corpos de adultos e crianças visíveis nas ruas e centenas de funcionários, incluindo muitos estrangeiros, à espera de resgate.
De acordo com informações dos media locais confirmadas pela RTP, pelo menos sete civis foram mortos à entrada de um hotel que abriga pessoas em fuga dos jihadistas – é nesta zona que se situam as instalações das empresas que exploram o gás natural na bacia de Rovuma incluindo a gigante petrolífera Total.
Dois responsáveis que acompanham as operações de resgate disseram à Lusa que um português ficou ferido e foi levado de helicóptero para Pemba, a capital da província de Cabo Delgado, 250 km a sul, a partir do aeródromo que serve os projectos de gás natural, em Afungi, para onde foi inicialmente resgatado.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros confirmou a existência de um português ferido, adiantando, à Lusa, que “a embaixada em Maputo está a acompanhar a situação e a procurar identificar outros portugueses no local para prestar acompanhamento e apoio”. “Em relação a um compatriota, apurou-se que o ferimento pode ser menos grave do que se temia e o resgate ocorreu em termos que, a certa altura, se temia que não fosse possível”, afirmou o Presidente, Marcelo Rebelo de Sousa, aos jornalistas no Palácio de Belém.
Já se sabia que os combatentes que se julga terem ligações ao Daesh obrigaram os residentes a fugir para a floresta. Ao mesmo tempo, umas 200 pessoas, quase todos trabalhadores das instalações para a exploração de gás natural liquefeito (GNL) refugiaram-se no hotel Amarula Palma. Na sexta-feira, pelo menos sete foram abatidos quando estavam a ser retiradas do hotel numa coluna militar. Segundo uma das fontes da Lusa, o número de vítimas é ainda incerto e pode ser maior.
A imprensa sul-africana escreve que entre os mortos do ataque ao grupo que tentava abandonar a zona há pelo menos um sul-africano. De acordo com o jornal The Citizen, a empresa militar Dyck Advisory Group, ripostou ao ataque permitindo que alguns dos estrangeiros no Amarula fossem retirados, assim como funcionários bancários que foram levados de helicóptero para as instalações da Total, em Afungi. A situação no terreno é descrita como “totalmente fora do controlo”, sem que as Forças de Defesa moçambicanas e os guardas privados consigam conter a violência.
“Uma coluna de 17 carros com pessoas resgatadas do Amarula foi atacada pouco depois de saírem. Alguns foram mortos, mas muitos conseguiram fugir. Inicialmente, pensou-se que tinham sido mortos. Eram umas cem pessoas”, disse à AFP o responsável de uma empresa privada de segurança.
Um residente que fugiu com outras pessoas para Quitunda, quatro km a sudeste da vila, perto dos projectos de gás, disse à Lusa que corpos de adultos e crianças estão à vista nas ruas de Palma. A fuga, contou, foi feita aos poucos, desde o início dos ataques dos insurrectos que invadiram Palma na quarta-feira. O grupo em que se encontrava foi avançando, de rua em rua, evitando a direcção dos disparos, chegando a Quitunda na quinta-feira à tarde.
“Várias testemunhas disseram à Human Rights Watch que viram corpos nas ruas e que os residentes fugiram depois de os combatentes Al-Shabab [como os habitantes chamam aos jihadistas] terem disparado indiscriminadamente contra pessoas e edifícios”, denuncia a organização não-governamental num comunicado.
"Muitas pessoas estão mortas"
“Quase toda a vila está destruída. Muitas pessoas estão mortas”, disse um trabalhador dos projectos de GNL ouvido pela AFP, depois de ter sido levado para Afungi. “Enquanto os locais fugiam para a mata, os funcionários das empresas de GNL, incluindo estrangeiros, refugiaram-se no hotel Amarula à espera de resgate.”
Outro trabalhador de uma empresa subcontratada pela Total diz que “ao cair da noite [de sexta-feira] muitas pessoas permaneciam no interior do hotel enquanto os militantes tentavam avançar nessa direcção”.
Depois de ter confirmado os primeiros ataques, na quinta-feira, o Governo de Moçambique não fez mais comentários, enquan a polícia nacional diz apenas estar a avaliar a situação.
Para além da população que fugiu por sua conta e dos trabalhadores moçambicanos e estrangeiros refugiados no hotel, a Comissão Nacional dos Direitos Humanos diz estar a tentar coordenar esforços para ajudar 600 funcionários do Estado que fugiram e estão actualmente “numa zona intermédia à espera de qualquer socorro”.
“Estamos a tentar, com base nas nossas possibilidades, ver se podemos encontrar uma solução rápida para socorrer aqueles cidadãos”, afirmou Luis Bitone, presidente desta organização, citado pela televisão privada moçambicana STV.
Em Palma vivem mais de 50 mil pessoas, a maioria concentrada na vila, onde também estão empresas e muitos trabalhadores estrangeiros.
Já não parecem restar dúvidas de que o alvo dos ataques de quarta-feira foi mesmo o mega-projecto de gás natural. Um dos vários grupos envolvido no ataque coordenado visou o aeródromo, situado a seis km da vila, que funciona como principal porta de entrada para Afungi, onde estão as instalações das empresas que exploram o gás natural.
A Total, principal investidora do projecto local que representa o maior investimento privado do continente africano, estimado em 20 mil milhões de euros, tinha acabado de anunciar um “regresso gradual” aos trabalhos de construção da fábrica de GNL, interrompidos depois do ataque de Dezembro nas redondezas. A empresa já confirmou entretanto que vai manter em Pemba os funcionários que se preparavam para voltar à zona de Palma.
A maioria dos residentes em fuga da vila costeira dirigiu-se para a província de Afungi, em busca de segurança. Os ataques de grupos ligados ao Daesh a cidades e vilas de toda a província de Cabo Delgado já levaram quase 700 mil pessoas a fugir das suas casas desde 2017. Segundo a Armed Conflict Location & Event Data, agência com sede nos Estados Unidos que reúne dados, pelo menos 2600 pessoas já foram mortas, metade das quais civis.