Movimento quer mudar a forma como se nasce em Coimbra

Com o debate sobre a nova maternidade centrado na localização, movimento Nascer Em Coimbra quer focar atenção no parto humanizado e nos direitos das grávidas.

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Nuno Ferreira Santos

Enquanto se arrasta a já longa disputa sobre a localização de uma nova maternidade em Coimbra – que substitua as instalações da Daniel de Matos e da Bissaya Barreto – o movimento Nascer Em Coimbra quer recentrar a discussão, para colocar o foco no “como” e não no “onde”.

O movimento foi criado em 2020 por activistas dos direitos das mulheres e feministas que entendiam que a questão dos direitos sexuais e reprodutivos estava afastada do debate sobre a construção da nova maternidade, explica Sandra Silvestre, uma das fundadoras.

“Achávamos que estava ausente uma posição especificamente ligada aos direitos das grávidas e às questões do parto humanizado”, refere ao PÚBLICO, à margem de um conferência de imprensa que o movimento deu para tornar pública a sua posição. Começaram então a promover conversas, a chamar profissionais de saúde, activistas, investigadoras e mães.

Desse trabalho, saiu um conjunto de 14 directrizes que o movimento entende que devem ser respeitadas quando se avançar para a construção de um novo edifício, em Coimbra.

O grupo quer que as mulheres ou casais sejam informados e incentivados a elaborar um plano de parto (um documento recomendado pela Organização Mundial de Saúde e pela Direcção-Geral de Saúde) e que a maternidade permita “diferentes acessos e contextos para partos e nascimentos em função do risco avaliado”.

Pretende também que os espaços de trabalho de parto “possam contribuir para o alívio não farmacológico da dor e da ansiedade, por livre opção da mulher” e que se possa escolher os acompanhantes “que estejam presentes durante o trabalho de parto e que pelo menos uma dessas pessoas possa permanecer na maternidade todo o tempo desejado ao longo do internamento”. O Nascer Em Coimbra promove ainda o respeito pela diversidade étnico-cultural e a reversão do “princípio sexista que concebe o pai como uma figura acessória”. Pede igualmente que “sejam, evitadas as intervenções obstétricas desnecessárias como a indução do parto, descolamento de membranas ou cesarianas electivas sem indicação clínica precisa e consentimento materno”.

Alterar a cultura

Também membro do Nascer Em Coimbra, Monalisa Barros explica que, apesar de as 14 directrizes já estarem preconizadas na lei, o movimento “recebe quase diariamente denúncias de que isso não acontece” nas maternidades de Coimbra. Os relatos chegam tanto por mensagem como pelas conversas que já organizaram, afirma a psicóloga e professora no curso de medicina da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, que está em Coimbra a fazer um pós-doutoramento na Faculdade de Medicina na área de saúde mental perinatal. “E recebemos informação de que essa é a prática, por exemplo, na Póvoa de Varzim” e que, por isso, há muitas mulheres de Coimbra a fazer essa viagem para terem os filhos. Isto é, quem tem informação e possibilidades, toma esta opção, acrescenta Sandra Silvestre. Um dos objectivos do movimento é precisamente “promover a informação e literacia em saúde sexual e reprodutiva”, explica.

O principal, aponta Monalisa Barros, seria alterar a cultura. “Para mudar a assistência à mulher no momento do parto, não precisa mais do que vontade de implementar”, nota, regressando ao exemplo da Póvoa de Varzim, “que não tem uma estrutura física melhor” que as maternidades de Coimbra. “Não defendemos um retorno ao primitivo, mas uma assistência humanizada e segura”, garante. E esse processo poderia ser iniciado já nas actuais maternidades, embora as instalações não estejam nas melhores condições. Mas seria preciso também adequar o ambiente construído: “se vai também acolher o parceiro, é preciso um espaço onde possa ficar. Há algumas adaptações físicas e é preciso que isso já esteja na concepção de base da nova maternidade”. Por isso é que o Nascer Em Coimbra quer “estar ao lado das decisões sobre a construção”.

Quando chega à hora de abordar a localização de uma nova maternidade, Monalisa Barros é pragmática: “o que aqui interessa é discutir o ‘como’ e não o ‘onde’. O mais importante é que a nova maternidade atenda às necessidades das mulheres, dos seus parceiros ou parceiras e dos seus bebés”. Ou seja, como a discussão está polarizada entre quem defende um novo edifício no Hospital dos Covões e quem sustenta a sua instalação nos HUC, se o Nascer Em Coimbra tomar um partido, apenas um lado vai ter em conta as preocupações do movimento. “E nós precisamos que os dois lados nos escutem”, sustenta. “Precisamos desse compromisso das pessoas que estão a discutir o local que, independentemente da escolha, o ‘como’ será o mais importante.

O documento com os 14 princípios vai ser enviado a “todas as entidades que podem ter algo a dizer e que possam ser envolvidas nesta debate”, refere Sandra Silvestre. Dessa lista de entidades faz parte o Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, o Ministério da Saúde, a Direcção-Geral de Saúde, a Administração Regional de Saúde do Centro, Câmara e Comunidade Intermunicipal de Coimbra, deputados eleitos pelo distrito ou a Ordem dos Arquitectos.

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