Reunião no Infarmed: um em cada cinco portugueses disse sentir-se ansioso, agitado ou triste
Task force para coordenar estratégia de testagem vai reunir-se na quinta-feira. Houve um aumento “importante” da testagem. Casos positivos em testes rápidos podem ter de ser repetidos com PCR para identificar variantes. Reunião que junta peritos e políticos decorreu nesta terça-feira.
Um em cada cinco portugueses sente-se todos ou quase todos os dias ansioso, agitado ou triste. O retrato foi traçado na reunião desta terça-feira do Infarmed, que junta peritos e políticos na análise da situação epidemiológica do país, por Carla Nunes, da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa.
A especialista falou sobre as percepções sociais sobre a covid-19 e, segundo avançou, o estado de saúde geral piorou, com um em cada cinco portugueses a afirmar que todos ou quase todos os dias se sentiu ansioso, agitado ou triste. Este indicador apresentou variações ao longo do tempo, e esteve melhor no Verão (“após a primeira onda”) e na altura do Natal.
Em termos da percepção da saúde em geral, o indicador manteve-se estável, ainda que tenha registado algumas oscilações. Os piores estados de saúde foram identificados entre os mais velhos. No caso da saúde mental, os mais afectados foram as mulheres e os mais novos.
Apresentando os indicadores acerca dos comportamentos dos portugueses, a especialista notou uma “melhoria dos indicadores de comportamento ao longo da pandemia” – a única queda verificou-se na quinzena das festas natalícias, mas recuperou.
Nas últimas duas ou três quinzenas verificou-se um ligeiro aumento dos comportamentos de risco – nomeadamente no uso de máscara quando se sai de casa e se está com outras pessoas. Isso é mais visível entre os mais jovens.
Evitar visitas e “ficar em casa” foram medidas mais difíceis de cumprir
Quanto à percepção da capacidade de resposta dos serviços de saúde, verificaram-se grandes variações ao longo do tempo, com piores indicadores em Outubro e Janeiro (quando se verificou também uma grande incidência). Neste momento, verificou-se uma recuperação acentuada, com valores próximos a Setembro e particularmente elevados nos mais novos. São os homens com menos de 65 anos e formação superior que, quando questionados sobre a adequação das medidas decretadas pelo Governo, afirmam que são desadequadas.
Sobre a facilidade na adopção das medidas, Carla Nunes assinalou que “evitar visitas a familiares e amigos” e “ficar em casa” são as medidas que apresentam maior dificuldade de adopção por parte dos portugueses inquiridos. As características que melhor descrevem o perfil das pessoas que identificaram como difícil ou muito difícil não visitar amigos são pessoas com menor escolaridade; pior estado de saúde mental; maiores dificuldades de distanciamento; que consideram as medidas do Governo desadequadas; que estão em trabalho presencial total ou parcial.
Será importante adoptar uma “estratégia de sensibilização” direccionada a esta medida e a este perfil, indica a especialista.
Os mais velhos e as pessoas que têm consciência de que há um risco de se infectaram foram as que lidaram melhor com a medida que impedia visitar familiares e amigos.
Aumento “importante” do número de testes
Antes, na reunião, o médico de saúde pública do Departamento de Epidemiologia do Instituto Ricardo Jorge e presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, Ricardo Mexia, adiantou, sobre outro tópico, que nos últimos dias se verificou um “aumento importante da testagem em função dos testes de antigénio” e uma estabilização da testagem com testes PCR. O aumento “muito recente do número de testes de antigénio realizados corresponde também à massificação da testagem no contexto da retoma da actividade escolar”, disse.
O especialista explicou ainda que houve uma testagem mais abrangente em vários sectores, nomeadamente nos estabelecimentos prisionais (14.700 testes realizados; positividade a rondar os 7%); escolas (mais de 80.000 testes realizados; positividade inferior a 0,1%); colaboração com presidência do Conselho de Ministros (positividade de 1,4%); Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (cerca de 60.000 testes realizados; positividade de 4,5%); estabelecimentos residenciais para idosos (150.000 testes realizados e 2627 positivos).
Ricardo Mexia sublinhou também que o ECDC (Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças) recomenda que a taxa de positividade se situe abaixo dos 4%. Em Portugal, “esta situação foi evoluindo ao longo do tempo”, tendo o país atingido “níveis de positividade bastante elevados, com o pico a ser atingido a 31 de Janeiro, com 19,96% de positividade”.
No dia 19 de Março, a taxa de positividade a sete dias, de acordo com o estipulado pelo ECDC (número de novos casos a dividir pelo total de testes), estava nos 1,4%.
Porém, segundo uma análise feita com base apenas no número de resultados positivos e no total de testes, a 19 de Março Portugal registava uma taxa de positividade global de 1,2%, com este valor a aumentar, conforme seria “expectável”, para 2,3% no que diz respeito apenas aos testes PCR. Atendendo apenas aos testes de antigénio, a positividade fixou-se em 0,3%.
Testagem: task force reúne-se na quinta-feira
Antes, Ricardo Mexia tinha apresentado, na reunião, os objectivos do plano de operacionalização da estratégia de testagem em Portugal, plano este recém-criado no âmbito de um despacho da semana passada, no qual o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge também irá colaborar.
Este plano prevê a gestão da reserva estratégica dos testes disponíveis, a criação de um sistema de informação conexo com essa actividade, assim como a gestão da comunicação (tanto interna como externa) e da necessidade de articulação com as diversas entidades.
O objectivo passa pela promoção da testagem em massa e sistemática na população, embora se pretenda que “essa testagem seja feita com base em critérios objectivos e claros e que essa acção seja adequada ao contexto em que se insere”, com o plano a incluir os sectores público, social e privado.
As linhas estratégicas estão relacionadas com uma análise epidemiológica em função da maior incidência e contextos em que essa incidência possa acontecer, assim como em função de questões de maior exposição, populações mais vulneráveis e serviços essenciais.
Ricardo Mexia destacou ainda a necessidade de ter um sistema de notificação o mais abrangente possível, com uma forte ligação à capacidade de resposta e conexo com a vigilância epidemiológica, assim como a complementaridade dos testes — visto que “os testes não se substituem uns aos outros” — e a manutenção de uma realização de testes PCR para assegurar estas vertentes.
O especialista sublinhou ainda a importância da periodicidade da testagem e o facto de estes critérios serem dinâmicos, o que significa que “a própria evolução da situação epidemiológica poderá condicionar estas estratégias e a necessidade de realizar mais ou menos testes PCR”.
Mais tarde, Ricardo Mexia explicou que esta task force para coordenar a estratégia de testagem irá reunir-se na próxima quinta-feira, pelo que deverão ser divulgados mais detalhes sobre o desenvolvimento desta estratégia nos próximos dias.
Resultados positivos em testes rápidos podem ter de ser repetidos com PCR para identificar variantes
Também na apresentação que fez na reunião, João Paulo Gomes, do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, salientou que a testagem em massa está a ser feita com recursos a testes rápidos, que, pela sua fraca sensibilidade, não permite identificar as variantes. Para contornar isso, o especialista sugere que se repitam os testes rápidos com resultado positivo com recurso a um teste PCR, que identifique logo as variantes de interesse, à semelhança do que fazem outros países, como a Dinamarca.
Para além disso, o especialista propõe que a academia e os laboratórios privados sejam chamados para esta análise.
Neste momento, a sequenciação genómica das amostras chega a 13%-17% (de acordo com os dados da primeira quinzena de Março). “A maioria das amostras positivas não pode fazer sequenciação genómica porque são cargas virais baixas, que não podem ser sequenciadas”, explica o especialista.
Apesar disso, Portugal é um dos países que mais fazem a sequenciação e vigilância: numa lista de 150 países, Portugal situa-se em 12.º. Calibrando para a população, “estamos ainda melhores do que França, Espanha ou Alemanha”. “Portugal está enquadrado nos países que melhor vigilância fazem”, disse.
Variante britânica: mais de 70% dos casos em Portugal
João Paulo Gomes fez ainda uma actualização sobre as variantes genéticas actualmente em circulação em Portugal: a maioria das infecções é causada pela variante britânica (que causa cerca de 70% dos casos em Portugal) e esse número deve aumentar nas próximas semanas, chegando aos 90%.
De acordo com os últimos dados disponíveis (que remontam ao último domingo), a monitorização da prevalência da variante do Reino Unido apontava para 70%. Estimativa que, admite João Paulo Gomes, pode ser conservadora.
A variante identificada na África do Sul deu origem a 24 casos identificados em Portugal – um “número modesto” quando comparado com outros países europeus como a Bélgica, com mais de 300 casos. Só na última semana foram identificados sete ou nove casos desta variante, o que indica que Portugal deve reforçar o controlo das fronteiras. Esta variante, salienta, te uma condicionante extra: é uma mutação associada a “falências vacinais”.
Quanto à variante identificada em Manaus (Brasil) – há pelo menos três variantes brasileiras com relevância clínica –, há 16 casos em Portugal, muito distante de países como Itália (com mais de 160 casos).
A reunião que junta peritos e políticos decorreu nesta terça-feira para avaliar a situação epidemiológica no país.