Merkel justifica confinamento rigoroso na Alemanha: “Basicamente, temos um novo vírus”
Variante britânica é a dominante na Alemanha e levou a que a situação seja “essencialmente a de uma nova pandemia”.
A Alemanha vai impor, durante a Páscoa, o confinamento mais rigoroso desde o início da pandemia em resposta à presença da variante britânica no país. A chanceler, Angela Merkel, anunciou a decisão após uma reunião com os representantes dos estados federados. “Essencialmente, estamos numa nova pandemia”, justificou, dizendo que a variante britânica do vírus que provoca a covid-19 já é a dominante na Alemanha.
“Basicamente, enfrentamos um vírus do mesmo género mas com características muito diferentes”, afirmou Merkel. “É significativamente mais letal, significativamente mais infeccioso, e infeccioso durante mais tempo”, enumerou.
A chanceler e os ministros-presidentes dos 16 estados federados da Alemanha têm estado muitas vezes em desacordo sobre as medidas a adoptar, mas a reunião em que foram decididas as acçoes mais recentes registou um recorde em número de horas: “Doze horas para dois dias de confinamento na Páscoa”, titulava o jornal Die Zeit numa análise sobre as medidas.
A chanceler pediu aos alemães para que se mantivessem em casa durante os cinco dias da Páscoa, começando a 1 de Abril, com a ideia de ter uma espécie de confinamento “corta-circuitos”, para quebrar as cadeias de transmissão da terceira vaga.
O número de infecções está a aumentar, e apesar de estarem a ser registadas menos mortes devido à vacinação, há cada vez mais pessoas mais jovens nas camas de cuidados intensivos, nota o jornal. As autoridades temem que os cuidados intensivos fiquem sem capacidade.
O país tinha começado um desconfinamento progressivo no início do mês, mas a dada altura o número de infecções teimava em não baixar, com o responsável do Robert Koch Institut (RKI), a autoridade de saúde pública encarregada da vigilância da pandemia, a apontar o dedo às infecções ocorridas em meio escolar.
Merkel tinha pedido um encerramento de todas as lojas, incluindo supermercados. Os ministros-presidentes não acataram com essa sugestão, mas nos dias da Páscoa apenas estarão abertos poucos estabelecimentos, como os supermercados das estações de comboio ou lojas nas bombas de gasolina. Apenas num dos dias, no sábado, vão poder abrir mercearias.
Os responsáveis de alguns estados – os que têm costa – queriam ainda que fossem suavizadas as restrições às viagens internas, o que não aconteceu: continua a ser possível viajar, mas não ficar hospedado num hotel em turismo. É possível ir para o estrangeiro, embora Merkel tenha sublinhado que são desaconselhadas viagens para fora. Quem regressar será sujeito a teste, mas não a quarentena.
Estão proibidos grandes encontros familiares, sendo permitidos apenas de dois agregados e um máximo de cinco pessoas.
O Governo pede às Igrejas que abdiquem dos serviços religiosos presenciais e que optem por um formato digital – como foi feito, aliás, durante o primeiro confinamento em 2020.
“As coisas estão a ser difíceis mais tempo do que tínhamos antecipado, mas há muito claramente uma luz ao findo do túnel”, disse Merkel.
O jornalista da revista Science Kai Kupferschmidt notava no Twitter que num ano de pandemia, a Alemanha teve sempre um número de casos por mil habitantes menor do que os EUA, o que mudou neste fim-de-semana. O ritmo da vacinação nos EUA, e o número de pessoas que já foram infectadas, estão a permitir um controlo mais fácil da transmissão, notou. Na Alemanha, “temos de ser prudentes e aguentar firmes mais um par de meses”.
Alguns peritos expressaram dúvidas sobre as medidas em declarações à emissora Deutsche Welle (DW). Tobias Kurth, director do Instituto de Epidemiologia e Saúde Pública no Hospital Charité, em Berlim, disse que o mais importante era ter um plano de testes robusto para a reabertura. “Penso que um confinamento estrito resultaria, mas abrimos sem um conceito claro de testes rápidos, ou sem ter disponíveis suficientes testes rápidos”, declarou.
No Twitter, o deputado do SPD Karl Lauterbach, especialista em Saúde, sublinha que um confinamento curto na Páscoa “só funcionaria se desse um sinal de que temos um problema enorme e as pessoas a mudassem o seu comportamento durante e depois do confinamento”. Defendeu também que deveria haver confinamento nas empresas e escolas até estarem funcionais os programas de testagem. “Sei quão pouco populares são medidas de confinamento. Mas nenhum país dominou a onda [da variante] B117 sem confinamento”.
Já Andrew Ullmann, porta-voz da comissão de saúde do parlamento alemão, do Partido Liberal Democrata (FDP), é de opinião de que a fadiga da população irá impedir um “confinamento restrito”, como disse à DW. “O que me preocupa mesmo é que estamos a ir de confinamento em confinamento sem qualquer perspectiva para a nossa população.”