Prevenir melhor e mais cedo: o futuro da saúde oral dos portugueses

No Dia Mundial da Saúde Oral debateu-se o caminho percorrido e o que tem de ser feito para melhorar os cuidados de saúde, o papel dos profissionais do sector e o papel do Plano de Recuperação e Resiliência.

Alargamento da atribuição dos cheques-dentista a mais camadas das populações desfavorecidas, aposta definitiva na maior proximidade dos profissionais de saúde oral, concretamente nos centros de saúde, e uma melhor articulação entre os sectores público, privado e de serviços sociais. Estas foram algumas das ideias lançadas este sábado, no debate “Saúde Oral – Avaliar a pandemia, projectar o futuro”, promovido pelo PÚBLICO, em colaboração com a Ordem dos Médicos Dentistas, que juntou especialistas em medicina dentária e em políticas de saúde, em dois painéis de discussão.

Em pleno combate à covid-19, a mensagem geral transmitida pelos convidados consistiu em quatro pilares: planear, prevenir, investir e trabalhar em conjunto, considerados fundamentais para que o Governo assegure um futuro sustentado à saúde oral dos portugueses, aproveitando as lições tiradas deste tempo de pandemia e as verbas que estão para chegar de Bruxelas – a muito falada “bazuca”. No Orçamento do Estado (OE), de resto, está previsto o alargamento dos cuidados de saúde oral. Com as atenções centradas no combate à covid-19, este é o momento ideal para analisar o presente e preparar o contexto pós-pandemia da medicina dentária em Portugal, concluíram alguns dos especialistas.

No dia em que se assinala o Dia Mundial da Saúde Oral, lançaram a primeira parte do debate Miguel Pavão, Bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas (OMD), Graça Freitas, directora-geral da Saúde, e Gerhard Seeberger, presidente da Federação Dentária Internacional, no painel “A pandemia nas políticas de Saúde Oral e o papel dos profissionais”. A moderação foi do editor de Sociedade do PÚBLICO Pedro Sales Dias.

O Bastonário da OMD destacou a importância de integrar os profissionais do sector no Serviço Nacional de Saúde (SNS) – posição corroborada por Seeberger – e do investimento em literacia para a saúde oral como meio para melhorar a saúde geral dos portugueses. Graça Freitas manifestou o desejo de ver alargado a toda a população o acesso aos cuidados de saúde oral, através do cheque dentista, “não deixando ninguém para trás”.

É necessário haver mais literacia em saúde

Mónica Lourenço, vogal do Conselho Directivo da OMD, foi bastante crítica em relação à precariedade dos vínculos laborais, afirmando que “25 por cento dos médicos a recibos verdes foram despedidos durante a pandemia”, criticando o facto de o SNS precisar de 250 profissionais, dispondo apenas de 160. “Devíamos estar a fazer prevenção [de doenças orais], mas como não estamos integrados numa unidade de saúde é complicado.” Esta médica citou um estudo feito aos profissionais mais jovens, em que 40% admitiu ter praticado actos clínicos gratuitos durante este tempo de pandemia.

Facultar mais literacia em saúde oral foi a tónica do contributo da presidente da Associação Portuguesa de Higienistas Orais, Fátima Duarte, para quem “se houver prevenção e mais organização, é possível fazer muito melhor”.

A carência na prestação de cuidados de saúde oral ao longo deste ano de confinamento mereceu críticas por parte de António Mano Azul, Chief Dental Officer de Portugal, para quem “muitos [profissionais] estiveram fechados em casa por opção e com base em estudos científicos de duas publicações [jornalísticas]”. O médico estomatologista reconhece, porém, que os médicos dentistas até não foram muito prejudicados pela pandemia, já que a utilização dos cheques dentista foi feita, maioritariamente, em consultórios privados, devido à concentração de meios nos hospitais em casos de covid-19.

Mano Azul apontou o dedo à falta de comunicação entre as administrações regionais de saúde, os directores dos centros de saúde e os médicos de família que ali operam, levando a que vários doentes com problemas associados à saúde oral “nunca cheguem ao médico dentista”. Uma crítica secundada por José Frias Bulhosa, membro do Conselho Deontológico e Disciplina da OMD, para quem o processo de comunicação está “um bocado desvirtuado, numa suposta e troglodita hierarquia de profissões”, exemplificando: se um higienista oral precisar de referenciar directamente um paciente ao médico dentista, tem primeiro de passar pelo médico de família.

Quanto ao processo de vacinação dos médicos dentistas, Frias Bulhosa disse “estar muito aquém do desejado”, pois foram vacinados cerca de dois mil, num universo de dez mil. Mano Azul não parece atribuir importância de maior ao assunto, preferindo ter visto, por exemplo, “a caixa do supermercado a ser vacinada, ela que ‘levou’ com toda a gente durante a pandemia, muita da qual sem máscara”.

O “complexo vitamínico”

O segundo painel abordou “A Saúde Oral perante o Plano de Recuperação e Resiliência”. Uma conversa mais de teor político e que, para isso, contou com Alberto Machado, deputado à Assembleia da República (AR), Manuel Pizarro, deputado ao Parlamento Europeu, Ana Paula Martins, Bastonária da Ordem dos Farmacêuticos, e Óscar Gaspar, presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada. A moderação foi do director-adjunto do PÚBLICO David Pontes.

Opinião praticamente unânime foi a gerada em torno da importância dos cheques-dentista e do seu alargamento a mais população, nomeadamente às de rendimentos mais baixos. “Se o Estado atribuísse esses cheques às pessoas dos escalões um, dois e três do IRS resolvia uma série de problemas associados à saúde oral”, sintetizou Alberto Machado. Já Manuel Pizarro recusou a ideia de que a “bazuca” europeia “vai resolver tudo”. Quanto ao plano do Governo de alargar os cuidados de saúde oral aos centros de saúde, ambos os oradores concordam na necessidade de investir nos profissionais e nas condições que lhes serão proporcionadas, por entre palavras de louvor à intenção de haver maior proximidade com as populações.

“O Plano de Reconstrução e Resiliência [PRR] não pode ser o único plano para a solução dos problemas”, disse Ana Paula Martins. “É uma construção de todos os portugueses e partilho da ideia de que o Estado está a usar este complexo vitamínico para compensar o desinvestimento que foi feito [no SNS] nos últimos anos. Deve haver mais investimento no sector público e melhor articulação entre o público e o privado, pois não podemos olhar para o modelo da saúde como olhávamos há 20 ou 30 anos.”

Dez anos de investimento de uma só vez

Em representação do sector privado, Óscar Gaspar disse ser relevante que o investimento de 1,3 mil milhões de euros de uma assentada, oriundo do PRR, seja o equivalente a dez anos de dinheiros públicos (OE) aplicados em dez anos no SNS, assim como a criação de gabinetes de saúde oral nos centros de saúde. “A parte negativa é que este PRR seja quase exclusivamente público, sendo que cerca de 4,5 milhões de portugueses com acordos de saúde” extra-SNS.

Por fim, o secretário de Estado Adjunto e da Saúde, António Lacerda Sales, reforçou a necessidade de continuar a “articular esforços entre os sectores públicos, privado e social” para melhorar a saúde dos portugueses, acrescentando que os governantes estão “bem conscientes do que já foi alcançado, mas humildes para dizer que ainda há muito para fazer”.

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