Hotel do Louvre e sede do Cineclube do Porto vai ser prédio de habitação

As obras arrancaram no final do ano passado e terminam em Dezembro de 2021. O prédio de gaveto, entre a Rua do Rosário com a Manuel II, será para habitação permanente. Responsável pelo projecto assegura que as “pré-existências” do edifício do século XIX serão respeitadas.

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Nelson Garrido

Já foi um dos hotéis mais luxuosos do Porto no século XIX, uma das primeiras clínicas privadas da cidade, sede do Sport Comércio Salgueiros e casa do cineclube mais antigo do país, ainda em actividade. Por ali passou o Imperador do Brasil e lá esteve guardada a primeira versão do guião de Aniki Bóbó, de Manoel de Oliveira. O prédio de gaveto que está onde a Rua do Rosário e a Dom Manuel II se encontram já há vários anos que não cumpria nenhuma das funções anteriores, nem qualquer outra.

Mas no final do ano passado deu-se o primeiro passo para que se possa voltar a ocupá-lo, depois de um período longo de abandono. Em Dezembro de 2020 arrancaram as obras para ser transformado em prédio de habitação, comércio e serviços. Daqui a menos de um ano a empreitada estará terminada. A responsável pelo projecto de requalificação assegura que todos os esforços serão feitos para preservar a história do edifício. 

Do número 1 ao 9 do Rosário e do número 1 ao 2 da Dom Manuel II, numa área bruta de construção de 945 metros quadrados distribuída por quatro pisos, serão construídos oito apartamentos de T0 a T2. Os pisos 1, 2 e 3 estarão reservados para habitações multifamiliares. O piso térreo será para comércio e serviços. 

Diz Diana Barros, arquitecta responsável pelo projecto em obra levada a cabo pela FL - Engenharia e Construção, que será preservado tudo o que se conseguir recuperar. “Como é um edifício com muito carácter e muita história, antes de começarmos o projecto fizemos o levantamento das patologias do edifício e das condições da estrutura. Trabalhamos com uma equipa de conservação e restauro e percebemos que conseguimos manter grande parte da estrutura, excepto a cobertura”, adianta ao PÚBLICO. Ao longo dos anos, afirma, “o edifício foi sofrendo muitas alterações”. Entre outros, mantém-se do original “a escadaria e as paredes interiores de tabiques e alvenaria”. 

“Fizemos um grande esforço para manter as pré-existências”, sublinha. Na fachada serão substituídas as caixilharias todas. “Mas vai manter-se a madeira na mesma, com o desenho que lá está, com trabalho de marcenaria que será feito à mão porque há muitas peças trabalhadas”, conta. Nos últimos anos, o edifício estava pintado em tons de amarelo, já muito pálido. No final da obra “vai ser cor-de-rosa”. 

O último inquilino a sair do edifício, agora propriedade da MCMF Imobiliária, foi a Escola de Condução A Desportiva. “Ainda havia lá materiais dessa altura”, confirma. Mas durante cerca de meio século, num dos pisos esteve o Cineclube do Porto, o mais antigo ainda em funções, agora com sede na Casa das Artes. Uma das últimas passagens do PÚBLICO pelas antigas instalações do cineclube foi há pouco mais de uma década. Na altura, tentava-se recuperar e catalogar o acervo. Do arquivo histórico a que foi possível aceder na altura fazia parte a primeira versão de Aniki Bóbó, de Manoel Oliveira. Na altura em que essa versão foi escrita, ainda se chamava Corações Pequeninos

Lutava o cineclube na altura para recuperar a muito degradada sala de cinema Aurélio Paz dos Reis, personalidade que fez o cinema entrar no Porto e em Portugal. Nunca se conseguiu concretizar a obra. Também não era possível fazê-lo agora. Diz a arquitecta que o piso do clube de cinema já estava muito degradado.  

O edifício foi construído em 1863 para ser residência de Gaspar Joaquim Borges de Castro, sogro do segundo conde de São João da Pesqueira. Ao longo dos anos foi alvo de várias alterações e serviu para muitos fins, entre os já enumerados, também foi sede do Orfeão Lusitano, entre 1927 e 1930, ou do Movimento Unidade Democrática, entre 1947 e 1948, até à sua expulsão pela PIDE. 

O calote do imperador

Mas antes disso, com inauguração entre 1864 e 1965, foi um dos hotéis mais luxuosos da época - o Hotel do Louvre. E é nessa fase que acontece um de muitos episódios que marcaram a história do edifício, aquando da passagem pelo espaço de D.Pedro II, Imperador do Brasil, filho de D. Pedro IV em Portugal ou D. Pedro I no Brasil. Uma placa comemorativa instalada no prédio assinala a sua passagem pelo edifício.

Conta a história publicada na página online da Junta de Freguesia de Miragaia, também contada por Germano Silva no livro Nos Lugares da História, que em 1872 o imperador do Brasil viajou para o Porto com a sua esposa D. Teresa Cristina Maria para aí ficar oito dias. O local escolhido para a estadia foi o Hotel do Louvre, próximo do Palácio de Cristal (ainda com o edifício original).

Antes de D. Pedro I e a esposa chegarem à cidade, a responsável pelo hotel, Maria Henriqueta de Mello Lemos e Alvelos, terá realizado obras para receber o imperador. No final do tempo da sua estadia, porque o espaço sofreu obras e ficou reservado para a sua comitiva, a hoteleira apresenta uma conta de 4.500 reis. O imperador entendeu que aqueles eram números exagerados e partiu sem pagar. A dona do hotel não se conformou com o calote, levou o caso à justiça e viajou até ao Brasil para cobrar a dívida. De regresso ao Porto não veio de mãos a abanar e voltou com o dinheiro da dívida e mais algum para a viagem. 

No hotel terão estado outras figuras ilustres, mas apenas de passagem. Na nova versão do edifício que será inaugurada nos próximos meses quem lá passar não será apenas para uma estadia de poucos dias. “O edifício será para habitação. Não é para turistas, é para habitação permanente”, assegura Diana Barros.

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