Tarifa social: mais que uma gota de água
Uma das soluções para garantir o direito à água como condição essencial à vida e ao bem-estar, apesar destas discrepâncias na gestão, tem sido a existência de uma tarifa social automática.
A questão não é nova mas levanta-se agora mais que nunca, para defendermos a saúde pública é prioritário garantir um conjunto de serviços mínimos à população. Saúde, habitação e água mostram-se, nesse conjunto, as ferramentas essenciais à higiene, à subsistência e à proteção comunitária, em conclusão, à vida. Ora, pôr a vida no centro exige estruturar estes sectores como desmercadorizados e acessíveis a toda a gente. Ficar à porta de um hospital por não se conseguir pagar; sem casa porque as rendas são incomportáveis — apesar de tantos espaços vazios —; ou sem banho por não se ter água, deveriam ser realidades afastadas da nossa sociedade. Não são.
Se em Portugal a Saúde tem tido uma resposta em patamares elevados é porque temos um SNS forte, público, e que não depende do lucro para sobreviver. Neste ponto, contrasta com a habitação que se encontra na mão do mercado e que é agora tão escassa – a crise da habitação é um resultado direto da mercantilização do edificado, promovida pelo neoliberalismo. Já a água está num processo dissimulado de privatização.
Foquemo-nos na água. O Governo obriga dissimuladamente à agregação dos municípios em parcerias de gestão que mimetizem o sector privado. O que não se diz nestes processos é que os municípios perdem, com esta externalização, a capacidade de recuperação dos serviços para a esfera municipal. Os municípios têm vindo a aprender da pior maneira: quando já estão reféns. Como sabemos, é mais difícil voltar a construir do que destruir. Isto tem custos e tem vindo a ser um problema dramático, veja-se o que se passa nas Águas do Alto Minho ou do Pinhal Interior, piores serviços, muito mais caros e a revolta da população que não cala. A resposta tem de mudar.
Outra questão premente é a do efetivo acesso à água para consumo doméstico. Existem valores totalmente discrepantes entre operadores, sabendo-se já que os valores mais altos do país são de sistemas de água privatizados com contratos de concessão leoninos ou das ditas agregações altamente problemáticas. Em Santo Tirso ou na Trofa, Vila do Conde, Amarante, Arouca, Baião, Celorico de Basto e Cinfães, em Fafe ou Alenquer, os preços no abastecimento e saneamento são dos mais altos do país, com a Indaqua, a Águas do Norte e a Águas de Alenquer a liderar nos preços excessivos das faturas, conforme a Deco divulga.
Uma das soluções para garantir o direito à água como condição essencial à vida e ao bem-estar, apesar destas discrepâncias na gestão, tem sido a existência de uma tarifa social automática. E porquê? A burocratização, a falta de divulgação e transparência são obstáculos à efetivação de direitos. Assim ocorria na eletricidade e gás até 2016. Nessa altura, apenas 80 mil pessoas acediam à tarifa social da energia.
Com a automatização do cruzamento de dados da Administração Central para se verificar as condições económicas dos agregados e garantir automaticamente o seu direito a esta tarifa, este número passou a atingir 800 mil, dados oficiais. Foi o único avanço relevante nos últimos anos no combate à pobreza energética. A mesma lógica se pretendeu introduzir no acesso à água, mas esta mudança tarda em operar por inércia do PSD, PS e do PCP, que governam os municípios portugueses.
O Bloco de Esquerda tem-se batido em todos os municípios pela existência de uma tarifa social da água atribuída de forma automática aos seus beneficiários, isentando os consumidores domésticos que a ela acedem de pagamento de tarifas fixas e aumentando a quantidade de água disponibilizada no 1º escalão de consumo (o mais barato). Desde que a lei foi aprovada, o Bloco de Esquerda bateu-se, da Amadora a Matosinhos, de Portimão a Barcelos, por esta medida.
Em alguns municípios, a aprovação em Assembleias Municipais continua a ser travada quando chega ao executivo, o que diz muito da falta de democracia e da falta de prioridade à política social. É por isso tão importante a aprovação desta medida no executivo municipal de Lisboa, na sequência da sua inscrição pelo Bloco no acordo realizado com o Partido Socialista em 2017. São quase 30 mil famílias em carência económica que passarão a pagar menos de metade na fatura da água. É um exemplo para seguir em todo o país.