Hard times no outro lado da Mancha

Embaladas pelas campanhas ultra-nacionalistas do “Brexit”, são cada vez mais as vozes que, sem pudor, clamam o seu ódio em relação ao “outro”.

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LUSA/OLIVIER HOSLET / POOL

Desde 2016 o Reino Unido tem passado por uma onda de instabilidade profunda. Alicerces outrora bem cimentados começam a dar indícios de ruir.

A fragmentação da sociedade britânica é cada vez mais palpável. O isolacionismo e a crise criados pelo “Brexit” e exacerbados pela pandemia estão a contribuir para uma crescente inconstância num Reino outrora conhecido como bastião da ordem e estabilidade.

Embaladas pelas campanhas ultra-nacionalistas do “Brexit”, são cada vez mais as vozes que, sem pudor, clamam o seu ódio em relação ao “outro”. Discursos de teor racista e xenófobo emanam dos mais variados espectros da sociedade. Episódios de violência verbal e física contra grupos vulneráveis, nomeadamente mulheres, pessoas de cor e emigrantes, estão-se a tornar cada vez mais comuns, inclusive em cidades vistas como faróis de multiculturalidade e progresso, como é (ou era) o caso de Londres.

No reverso da moeda, tem surgindo em terras de Sua Majestade uma onda de contestação inédita, contrariando a conduta tão inglesa do Keep Calm and Carry On, um sentimento de calma (e apatia) colectiva, estoicamente exibido em momentos de crise – veja-se durante o Blitz, ou durante os recentes ataques terroristas.

Várias camadas da população têm-se unido contra a crescente violência policial, no rescaldo do caso Sarah Everard, uma mulher brutalmente assassinada por um polícia, cujo corpo foi encontrado numa floresta na semana passada. Uma vigília silenciosa em memória de Everard, terminou em confrontos com a polícia, com várias mulheres a serem detidas.

A governação cada vez mais repressiva do Home Office também tem sido alvo de protestos. A líder desta pasta, Priti Patel, uma figura controversa que já foi acusada de bullying por membros da sua equipa, levou ao Parlamento uma lei que dá mais poderes à polícia para restringir protestos pacíficos. Em reacção, multidões juntaram-se no centro de Londres, manifestando-se contra a lei e a conduta violenta da polícia durante a vigília de Sarah Everard.

Em paralelo, vêm crescendo as vozes que se indignam com o lado racista da sociedade britânica. Para além das várias demonstrações aliadas ao Black Lives Matter, muitos se têm virado contra figuras centrais da história. Winston Churchill, por exemplo, tem sido alvo de duras críticas sobretudo por parte de uma camada jovem que traz ao debate as suas inclinações para a supremacia branca.

Em contraste, os apoiantes de Churchill acusam estes de extremismo e revisionismo histórico. A água ferve de tal forma que o governo britânico chegou ao ponto de mobilizar polícias para proteger a estátua de Churchill junto ao Parlamento, contra o vandalismo.

Nos entretantos, um dos grandes pilares da sociedade britânica, a Coroa, também treme, após as acusações de racismo por parte de Meghan e Harry. E a somar, a Escócia e o País de Gales vão falando cada vez mais alto sobre independência...

Embora seja implausível um cenário de protestos em massa, num dos poucos países europeus onde nunca se deu uma revolução popular, o certo é que o Reino Unido atravessa um período de convulsão único. Resta saber se a união se reerguerá dos escombros, como no tempo do Blitz (e de Churchill), ou se irá simplesmente ruir. O que é certo é que os ventos de mudança estão aí; não sabemos é em que direcção irão soprar.

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