Vinte e um países põem AstraZeneca “em pausa”. O que está em causa? E o que deve fazer quem já foi vacinado?
Portugal e outros 20 países suspenderam nos últimos dias a utilização da vacina da Universidade de Oxford e da AstraZeneca por terem sido relatados cerca de 30 casos de reacções adversas. O PÚBLICO reuniu algumas perguntas (e respostas) sobre o que está em causa.
A lista de países que suspenderam a administração da vacina da farmacêutica AstraZeneca e da Universidade de Oxford por causa de reacções graves (mas raras) continua a crescer. Até esta terça-feira, um total de 21 países tinha suspendido, por tempo indeterminado ou durante algumas semanas, a administração da injecção.
A Áustria, por exemplo, suspendeu apenas a inoculação com um lote específico das vacinas. E a Venezuela, que ainda não tinha começado a inocular a população, proibiu totalmente a administração. O PÚBLICO reuniu algumas perguntas (e respostas) sobre o que está em causa.
Quem suspendeu ou não avançou com a administração desta vacina?
Até agora, Portugal, Espanha, Itália, Alemanha, França, Noruega, Áustria, Roménia, Estónia, Países Baixos, Islândia, Lituânia, Letónia, Bulgária, Luxemburgo, Chipre, Irlanda, Dinamarca, Suécia, Indonésia e Venezuela já tomaram medidas de precaução.
O que está em causa?
A decisão de vários países surge depois de serem conhecidos alguns casos de aparecimento de coágulos sanguíneos e da morte de algumas pessoas inoculadas com esta vacina. Logo a 7 de Março, a Áustria suspendeu o uso da vacina depois de uma pessoa ter morrido e de outra ter ficado gravemente doente. Esse lote específico de vacinas foi enviado para 17 países da União Europeia (lista em que Portugal não se inclui). Dias depois, um dos três profissionais de saúde hospitalizados na Noruega depois de receber a injecção da AstraZeneca morreu.
Quantos casos de reacções foram detectados?
Segundo a Reuters, até 10 de Março, foram relatados 30 casos de eventos tromboembólicos (quando um coágulo sanguíneo bloqueia uma veia). O presidente do Infarmed, Rui Santos Ivo, confirmou que Portugal registou dois casos de tromboembolismo, mas garante que estas situações são “de perfil clínico diferente” e que estão em recuperação.
Já se sabe se as reacções estão relacionadas com a vacina?
Não. Como advertiu o director-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, em conferência de imprensa, o facto de as reacções terem ocorrido depois da vacinação “não significa necessariamente que estes eventos estão relacionados”.
Quantas doses foram administradas em Portugal? E na Europa?
Já foram administradas em Portugal cerca de 400 mil doses do fármaco da AstraZeneca e vão ficar agora em armazém cerca de 200 mil doses. Segundo avançou nesta segunda-feira a directora-geral da Saúde, Graça Freitas, já foram administrados na Europa 17 milhões de doses desta vacina.
Quais são as consequências da suspensão para Portugal?
O processo de vacinação contra a covid-19 vai sofrer um atraso de duas semanas. Henrique Gouveia e Melo, coordenador da task force para a vacinação, referiu que os professores eram um dos grupos previstos para receberem esta vacina nas próximas semanas. O mesmo acontecia com utentes com mais de 50 anos com co-morbilidades, mas Gouveia e Melo garantiu que serão vacinados com as doses disponíveis das outras vacinas autorizadas.
O que deve fazer quem tomou a primeira dose?
Graça Freitas disse esta segunda-feira, em conferência de imprensa, que os cidadãos portugueses que tomaram esta vacina devem “aguardar tranquilamente”. A directora-geral da Saúde disse que as reacções à vacina são “extremamente graves, mas extremamente raras”, e pediu que estejam atentos a qualquer mal-estar prolongado, “sobretudo se for acompanhado de nódoas negras ou hemorragias cutâneas”, e que, caso este persista, consultem um médico.
Também os profissionais de saúde que suspeitem de reacções adversas em pacientes devem estar atentos e notificar o Sistema Nacional de Farmacovigilância.
A segunda dose vai ser administrada?
Ainda segundo Graça Freitas, está previsto que a segunda dose ocorra “daqui a bastante tempo”, aguardando-se agora que a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) e todas as outras entidades cheguem a uma conclusão.
O que está a ser feito a nível mundial e europeu?
O comité de especialistas da Organização Mundial de Saúde (OMS) para a segurança de vacinas reúne-se esta terça-feira para discutir a vacina.
A EMA também já anunciou que vai realizar uma reunião especial na quinta-feira para analisar esta situação, mas voltou a sublinhar, na manhã desta terça-feira, que os benefícios da utilização da vacina continuam a superar os riscos. A directora executiva da agência, Emer Cooke, disse que os problemas relacionados com a vacina “não são inesperados”, dada a vacinação de milhões de pessoas, e atingem “um pequeno número” de vacinados.
A responsável frisou também que “não há provas de que foi a vacinação [com o fármaco da AstraZeneca] que causou estas situações”, além de que os efeitos secundários apenas se verificaram “num número pequeno de pessoas que receberam a vacina”. Cooke garantiu, ainda assim, que a EMA vai continuar a investigar esta situação, “tendo em conta os receios dos cidadãos”, adiantando que a prioridade do regulador é “garantir a segurança da vacina”. A EMA deve divulgar um parecer final sobre a questão depois da reunião de quinta-feira.
Se o risco é baixo, porque se suspendeu a administração?
Primeiro porque, segundo explicou o director-geral da OMS, é prática rotineira investigar casos como os que foram reportados para descobrir a origem dos efeitos. Além disso, em muitos países, como na Alemanha, França e em Portugal, trata-se apenas de uma “medida de precaução”, como disse o ministro da Saúde alemão, Jens Spahn.
“Dados os muitos milhões de doses administrados até agora, suspeito de que estes episódios não devem ser causados pela vacina e sejam apenas acontecimentos associados de forma aleatória. Se fosse um fenómeno real, esperava ter muito mais casos até agora. Ainda assim, estes casos têm de ser devidamente investigados”, explicou Paul Hunter, professor de Medicina da Universidade de East Anglia (Reino Unido) esta segunda-feira ao PÚBLICO.
Já Miguel Castanho, do Instituto de Medicina Molecular da Universidade de Lisboa, diz que “pode haver um problema num determinado lote do produto”. “Aí já não é a raridade intrínseca do fenómeno que aparecerá numa larga escala. Aí aconteceu algo num determinado lote”, aponta.
O professor Andrew Pollard, coordenador do grupo da Universidade de Oxford que desenvolveu a vacina, disse à BBC que havia “indícios muito reconfortantes de que não há aumento do fenómeno de coágulos sanguíneos no Reino Unido, onde a maioria das doses da Europa [foram] dadas até agora”.
O que diz a farmacêutica?
A empresa já disse que não há motivo para preocupação com a vacina e que houve menos casos de trombose relatados nas pessoas que receberam a injecção do que na população em geral. “Os números foram muito mais baixos do que os que seriam esperados numa amostra deste tamanho e são semelhantes aos de outras vacinas autorizadas”, disse a AstraZeneca em comunicado.
Desenvolvida em conjunto com a Universidade de Oxford, a vacina da AstraZeneca foi uma das primeiras contra a covid-19 a serem desenvolvidas e lançadas em grande volume desde que o novo coronavírus foi identificado pela primeira vez na China. Por ser mais barata (e não só), é uma parte crucial dos programas de vacinação de muitos países em desenvolvimento.
Há relatos de reacções semelhantes com outras vacinas?
A Agência Reguladora de Medicamentos e Produtos para a Saúde do Reino Unido (MHRA) – país que já vacinou 11 milhões de pessoas com esta vacina – diz ao The Guardian que até 28 de Fevereiro foram detectados mais casos de coágulos sanguíneos em pessoas que receberam a vacina da Pfizer/BioNTech (38 casos) do que na da AstraZeneca/Oxford (30 reacções deste tipo). “Esses casos não são efeitos secundários comprovados da vacina. Os coágulos sanguíneos podem ocorrer naturalmente”, disse um porta-voz ao jornal.