ICBAS transfere 600 alunos para instalações provisórias... e polémicas
Arquitecto que projectou os edifícios do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar considera que monoblocos que estão a ser instalados num dos pátios do campus não cumprem o regulamento contra incêndios. Direcção do ICBAS, reitoria da UP e projectista rejeitam a acusação.
Cerca de 600 alunos do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) deverão passar a ter aulas teóricas em instalações provisórias a partir do arranque do próximo ano lectivo. As obras no campus da Rua Jorge de Viterbo Ferreira já começaram, mas estão a ser contestadas pelo arquitecto José Manuel Soares que projectou as mais recentes instalações do ICBAS, no início da década, que considera que, provisória ou não, a ocupação, densa, de um dos pátios entre dois dos edifícios existentes viola o regulamento de Segurança Contra Incêndios em Edifícios (SCIE). Reitoria, direcção da escola, e o projectista desta solução rejeitam, contudo, a acusação.
O director do ICBAS explicou ao PÚBLICO que a instituição avançou para a construção de instalações provisórias para fazer face à necessidade de desocupar, durante os próximos dois ou três anos, o edifício histórico do Largo Abel Salazar, frente ao Hospital de Santo António, onde parte da comunidade académica tem aulas. As obras ainda não têm uma data para começar, mas o instituto e a reitoria da Universidade do Porto entenderam que, face à degradação do imóvel antigo, o melhor seria avançar com o plano de transferência, e convidaram por isso o autor do projecto de reabilitação, João Castro Ferreira, para desenhar uma solução, que já a ser instalada nas outras instalações da escola, ali perto.
Salas ocupam pátio entre dois edifícios
Antes disso, explicou o director do ICBAS, Henrique Cyrne de Carvalho, ainda tentaram encontrar um espaço alternativo na cidade. Mas, acrescenta, ou por desadequação, ou porque os preços pedidos eram muito altos, acabaram por desistir e avançaram para a instalação de uma construção provisória no interior do campus que o ICBAS partilha com a Faculdade de Farmácia, na Rua Jorge Viterbo Ferreira, não muito longe do edifício antigo e do Hospital de Santo António, do Centro Hospitalar do Porto, ao qual estão ligados do ponto de vista da formação dos estudantes. Assim, no pátio, estreito, entre dois edifícios de sete pisos está a nascer uma construção em CLT (madeira pré-fabricada, com propriedades estruturais), que será organizada em sete salas de aulas.
No ano passado, o arquitecto responsável por este projecto submeteu à câmara do Porto uma informação sobre este trabalho, questionando se, dado o seu carácter leve e provisório, ele teria de ser licenciado pelo município. Questionada pelo PÚBLICO a autarquia informa que, de facto, “não foi emitida qualquer licença para a edificação em causa”, pelos motivos invocados pelo projectista, “uma vez que se trata de uma solução temporária, pelo máximo de dois anos, por não se incorporar no solo com carácter de permanência”.
Corredores de circulação estreitos
Apesar de não precisar de licenciamento, o município assinala que, “o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação não isenta estas operações do cumprimento de todas as normas legais e regulamentares aplicáveis, nomeadamente do Regulamento de Segurança Contra Incêndios”. E, para o arquitecto responsável pelos edifícios do campus do ICBAS/Farmácia, a obra em causa falha no cumprimento deste regulamento. José Manuel Soares não entende como se pode ter permitido uma ocupação do espaço entre os prédios que deixa corredores de circulação exterior de dois metros, entre as novas salas de aulas, de apenas um piso, e os volumes existentes, por onde circula imensa gente. Nas suas contas, aquela distância teria de rondar os nove metros (o que inviabilizaria a obra em curso), adianta.
Enquanto autor dos edifícios, José Manuel Soares considera que deveria ter sido consultado sobre a solução proposta e já em construção, que se recusaria a desenvolver, se lhe tivesse sido pedida. Mas mais do que o direito autoral, o que ali está em causa, insiste, é a segurança das pessoas que vão trabalhar e estudar nas novas salas de aula. E foi com essa preocupação, acrescenta, que depois de contactos infrutíferos com a direcção do ICBAS e com a reitoria, deu conta do caso à Câmara do Porto, à Ordem dos Arquitectos e à própria Associação de Estudantes da escola.
Reitoria garante que há projecto de segurança
Henrique Cyrne de Carvalho admite que não respondeu a uma carta “mal-educada” do arquitecto. Quanto às questões que este invoca, lembra que é cardiologista, mas considera-se respaldado nos serviços técnicos da reitoria, que validaram a solução proposta. “Acredito que não o fariam se julgassem haver problemas no domínio da segurança”, declarou ao PÚBLICO. O gabinete de comunicação da UP refere que “o projecto de construção dos monoblocos que ficarão temporariamente instalados no complexo ICBAS / FFUP (...) inclui um projecto de especialidade de Segurança contra Incêndio em Edifícios [SCIE]. O projecto foi submetido à Câmara Municipal do Porto que deu luz verde à construção dos monoblocos”, acrescenta.
O município não licenciou a obra – por considerar que não seria necessário – e, perante a denúncia de José Manuel Soares, está até a averiguar a situação. João Castro Ferreira assumiu ao PÚBLICO ter sido notificado pela Câmara do Porto da existência de uma queixa relativa a este trabalho. Mas disse desconhecer ainda o detalhe dessa mesma denúncia. Se a questão é o regulamento contra incêndios, notou, coloca toda a sua confiança o autor do projecto de especialidades, “um técnico especialista de reconhecida experiência nesta matéria e cujas indicações estão plasmadas no projecto. Por esta razão não tenho nenhum motivo para pensar que o nosso projecto não cumpra o disposto em termos de SCIE”, insistiu, notando que no inicio do processo contactou o seu colega de profissão, e que este não se opôs à sua intervenção.
O problema, insiste José Manuel Soares, não esta em quem faz, mas naquilo que está já a ser feito. A obra está a decorrer e, dado o carácter pré-fabricado dos materiais usados – que permitem repor a situação existente no final, insistem o projectista e o director do ICBAS – deverá estar concluída em três meses. O investimento ronda os 700 mil euros, e Henrique Cyrne de Carvalho admite que, depois de recuperadas as salas de aula temporariamente perdidas no Largo Abel Salazar, o ICBAS está a pensar desmontar estes espaços e levá-los para as instalações que tem em Vairão, Vila do Conde.