E tu, o que fazes contra o assédio?

Ao longo dos próximos dias, semanas, meses ou, mesmo anos, Sarah Everard será o primeiro pensamento que nos virá à cabeça quando formos abruptamente arrancadas do nosso mundo por um homem qualquer que se sinta no direito de o fazer, das mais diversas formas, mas sempre com a arrogância de quem sabe que sairá impune.

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Reuters/HENRY NICHOLLS

Sarah Everard, de 33 anos, desapareceu a caminho de casa, no Sul de Londres. Foi vista pela última vez com vida pelas 21h30 de 3 de Março de 2021. A 12 de Março, a polícia confirmou ter encontrado os seus restos mortais em Kent, no Sudeste de Inglaterra. Um agente da Polícia Metropolitana de Londres foi preso por suspeita do rapto e homicídio de Sarah Everard.

Gerou-se, imediatamente, uma onda de protestos online, particularmente por utilizadores britânicos da rede social Twitter. Talvez por este crime grotesco quase ter coincidido com a celebração, a 8 de Março, do Dia Internacional da Mulher. Ou, talvez, por aquilo que passou pela cabeça de todas as mulheres com quem falei entretanto: “Podia ter sido eu.” Ao longo dos próximos dias, semanas, meses ou, mesmo anos, Sarah Everard será o primeiro pensamento que nos virá à cabeça quando formos abruptamente arrancadas do nosso mundo por um homem qualquer que se sinta no direito de o fazer, das mais diversas formas, mas sempre com a arrogância de quem sabe que sairá impune (reparem que digo “quando”, e não “se” – um fatalismo resultante de décadas neste mundo enquanto mulher). Este caso extremo e gravíssimo lembrou-nos de todas as vezes em que, no viver do nosso dia-a-dia, nos sentimos desconfortáveis, ameaçadas ou, até, apavoradas na presença de um homem.

A utilização da primeira pessoa do plural neste texto não é um exagero da realidade para efeitos literários. No Reino Unido, 97% das mulheres entre os 18 e os 24 anos afirmam já ter sido vítimas de assédio sexual. Noventa e sete por cento.

“Não andes sozinha, especialmente à noite e por ruas isoladas. Pede a um amigo que te acompanhe a casa. Ignora comentários.” Todas crescemos a ouvir estes e outros conselhos, repetidos, vezes conta, desde antes mesmo de sabermos o que é ser mulher. Todas os pomos constantemente em prática. Constantemente. Somos, afinal de contas, as principais interessadas em fazê-lo. Infelizmente, não basta: independentemente da hora ou das circunstâncias, a meio da tarde ou a caminho da escola do filho, em ruas mais ou menos movimentadas, por parte de estranhos em espaços públicos ou de chefes no trabalho, o assédio continua a acontecer.

E, lamento dizê-lo, continuará a acontecer. Enquanto o ónus da culpa estiver nas mulheres, continuará a acontecer. Enquanto nos focarmos em ensinar as meninas a proteger-se do que as rodeia e não em ensinar aos meninos algo teoricamente tão simples como o respeito, continuará a acontecer. Acima de tudo, enquanto as mulheres forem as únicas verdadeiramente interessadas em mudar esta situação, continuará a acontecer.

É preciso que os homens se envolvam activamente. Não – é urgente que o façam. Por favor. É preciso que percebam que, tal como não basta não ser racista (é necessário ser anti-racista), não é suficiente não assediar. A bem dizer, isso é o mínimo dos mínimos, dificilmente motivo de orgulho por si só.

Homens indignados por se sentirem implicitamente considerados “farinha do mesmo saco”, sejam honestos convosco próprios. Quantas vezes defenderam abertamente uma mulher sujeita a comentários sexistas? Quantas vezes censuraram colegas, amigos, familiares com comportamentos reprováveis? Quantas vezes tomaram realmente uma atitude no sentido de mudar a situação actual? Reformulando uma frase de Desmond Tutu: “Se és neutro perante situações de assédio, escolheste o lado do agressor”.

E tu, o que fazes contra o assédio?

P.S. Pela última vez: piropos não são elogios. São, desde 2015, crime.

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