Calls: quando um telefonema dá uma série. E não é no Skype, nem no Zoom, nem um podcast

A série da Apple TV+ conta com grandes nomes mas não mostra nenhum rosto. Cada episódio é um telefonema, com vozes tão conhecidas quanto as de Rosario Dawson ou Jennifer Tilly. As imagens são sobretudo as da nossa mente.

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A única imagem disponível de Calls dá pistas sobre a imagética da série Apple TV+

Uma das grandes revoluções técnicas das últimas décadas no entretenimento, o streaming é hoje um banal sinónimo de uma certa forma de “ver televisão” ou de “ouvir música ou um podcast”. O que acontece quando os dois formatos se juntam e misturam numa espécie de experiência auditiva traduzida visualmente num ecrã? A Apple TV+ diz que o que sucede é Calls, “uma experiência pioneira e imersiva de televisão” que transforma uma série de chamadas entre Pedro Pascal, Lily Collins, Rosario Dawson, Mark Duplass ou Aubrey Plaza num thriller minimalista.

Calls é uma série de nove episódios curtos (13 a 21 minutos cada) e estreia-se a 19 de Março na plataforma de streaming da Apple. Toda a temporada chega de uma só vez, convidando ao binge watching (o que não tem sido a prática habitual da Apple TV+). Pode parecer uma solução encontrada para os problemas de filmar em pandemia, ou a versão remediada de uma série com câmaras e actores maquilhados interrompida pela covid-19. Mas é na verdade a adaptação de um original francês criado por Timothée Hochet para o Canal Plus e foi encomendada pela Apple em 2018, antes de sequer lançar a sua plataforma de streaming audiovisual.

O que é a série? Um ecrã com imagens abstractas minimais ao serviço das conversas que são o seu sumo. Estas são descritas pela Apple como “bone chilling” – de gelar os ossos, portanto. A ideia-base de Timothée Hochet que torna funcional esta “experiência imersiva” é a de que o mal que não vemos e só conjuramos e congeminamos na nossa mente é o mais aterrorizador dos perigos, algo que os grandes nomes do cinema de medo e prazer ensinam ao público há muitos anos (John Carpenter que o diga).

Calls inverte o fenómeno, frequente nos últimos anos, da adaptação de podcasts ao formato televisivo, sendo aqui obrigatório citar o caso de Homecoming, protagonizado em áudio por Catherine Keener, Oscar Isaac ou David Schwimmer, e que Sam Esmail (de Mr. Robot) transformou numa série para a Amazon, nomeada para vários prémios. As vozes deram lugar a Julia Roberts ou Bobby Cannavale num ecrã que se ia virando ao alto, como se filmado por um smartphone, ou estendendo-se em planos abertos. Agora, Danny Pudi, Ben Schwartz, Aaron Taylor-Johnson ou Jennifer Tilly alimentam esta espécie de gráfico vivo, de podcast com equalizador gráfico a servir a narrativa realizada por Fede Álvarez (Nem Respires). Tudo começa com telefonemas corriqueiros e sem relação entre si que de repente mudam vidas.

A Apple TV+ deixa a porta aberta a mais temporadas de Calls, já que esta co-produção Studiocanal/Bad Hombre tem já duas temporadas no original francês – a plataforma americana interessou-se pela série um mês depois da sua estreia em França, onde foi elogiada pela crítica. No início, havia uma curta-metragem posta no YouTube depois de Hochet ter andado a ouvir “chamadas reais para o 112”: “Fiquei horrorizado com a experiência. Imaginei todo o tipo de situações.” Agora há uma série de televisão quase sem imagem para um canal premium e para um serviço de streaming de um gigante tecnológico em plenas “​streaming wars”​. Não podia ser uma série mais século XXI.

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