Cultura para Todos, Tudo é Cultura e a Cultura no Centro de Tudo

Não é por acaso que entre 2012 e 2015, quando se preparava a Agenda 2030, se discutiu a cultura como 4.º pilar da sustentabilidade.

É possível algum cidadão português considerar que a resiliência, a transição energética e a transição digital são os grandes desígnios de Portugal!? É que estes, para quem ainda não saiba, são os ‘pilares’ do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

É muito difícil mobilizar os cidadãos em torno de aspetos que não são senão instrumentos, mas nunca os fins de uma sociedade. Mas então qual é ou quais são o(s) grande(s) objetivos para Portugal? É isso que fica por saber neste PRR que nos foi apresentado. Ele é de facto uma imagem de Portugal na atualidade: um país num marasmo, perdido numa ritualização burocrática de tal forma que nem sequer se preocupa em pensar para onde vai. Vivemos num país sem política, entendendo esta como mobilização para futuros possíveis.

A resiliência, a transição energética e digital são instrumentos que devem ser mobilizados em função de uma mudança dos modos de vida, ou seja, a cultura no sentido antropológico. Não é por acaso que entre 2012 e 2015 quando se preparava a Agenda 2030, se discutiu a cultura como 4.º pilar da sustentabilidade. Para conduzir as sociedades para um outro e novo desígnio temos de apostar na cultura! Claro que a cultura depende de muitos outros aspetos: de uma mudança da educação; de uma mudança da ciência e da tecnologia; de um novo quadro ético e normativo; de uma colaboração societal num quadro de paz e segurança… Mas tudo isso é, ainda, uma mudança na cultura. E para isso precisamos de saber o que é afinal a Cultura.

A Cultura num mundo de Estados-Nação começou por ser entendida como o património e a educação: o objetivo era que todos tivessem acesso a um mesmo ‘cânone’, a ideia de ‘Uma Cultura para Todos’ num padrão unidimensional típico de um quadro de sociedade industrial. Já numa sociedade pós-industrial, a ideia mudou e ‘uma cultura para todos’ não só fragilizava a democracia como era mesmo produtora de alienação. Ao invés, tornou-se necessário instituir que ‘Tudo é Cultura’, libertando a cultura de um único espelho, o da educação e do património, e abrindo-a às chamadas ICC (Indústrias Culturais e Criativas) capazes de serem ativadoras de uma nova economia da cultura, de um capital intelectual e de um capital criativo plural. É neste quadro que os próprios territórios se pluralizam (em cidades e regiões) encontrando os seus próprios desígnios ainda que num quadro de governança multinível que vai da freguesia à União Europeia. Não estando tal processo suficientemente estruturado, não só as ICC não se tornaram efetivamente ativadoras de uma nova economia como não é possível passar a um terceiro nível: a Cultura no Centro de Tudo, ou seja, um verdadeiro Planeamento Cultural. O Planeamento Cultural significa que cada cidade ou/e região sabem claramente identificar os seus desígnios num processo de cooperação competitiva com as demais cidades e regiões num quadro nacional plural e forte.

Podem ainda dizer que, apesar de tudo, continuamos sem perceber quais os nossos desígnios. E é verdade. Tal implica que saibamos os desígnios de cada região e que os possamos articular num todo coerente capaz de ser apresentado aos cidadãos: ou seja, é preciso governação e política no sentido verdadeiro do termo. Claro que podemos dizer que esta discussão dos desígnios de um novo tempo tem sido feita fortemente nos últimos cinco anos a um nível global (desde que a agenda dos ODS foi apresentada).

Se quisermos ser simples, há três caminhos claros que se perfilam como modelos gerais. Um primeiro caminho é a aposta forte num cenário de ‘tecno-explosão’, numa reindustrialização e especificamente em áreas tecnológicas de ponta alinhadas numa lógica de cadeias de valor globais: desde as tecnologias digitais à aposta espacial parecem, neste caso, boas possibilidades. A corrida espacial está aí e quer Jeff Bezos, quer Elon Musk, os dois homens mais ricos do mundo, têm uma empresa espacial, respetivamente Blue Origin e SpaceX, e o objetivo é claro: colonizar o espaço. Um segundo caminho claro é, pelo contrário, um refreamento da globalização numa lógica de ‘prosperidade’ mais do que de crescimento, em função de uma relocalização/regionalização infranacional da economia e sociedade, criando cidades compactas, circularidade urbana, criação de “prossumidores” e circuitos agro-alimentares curtos. Aqui o modelo de desenvolvimento poderá ter aproximações ao ‘Bem Viver’ proposto pelo pós-desenvolvimento e por comunidades e mesmo países da América do Sul (ex: Equador). A transição energética e digital tendo em conta um ou outro dos desígnios terão certamente especificidades pois elas não são senão instrumentais. Também as ICC terão as suas especificidades para cada uma das opções, sendo, no entanto, fundamentais. Obviamente, considerando estes dois desígnios e um quadro cooperativo-competititvo entre cidades-regiões, será sempre possível articulações e hibridismos entre tais dois desígnios: o tal terceiro caminho. Será ainda possível ter porventura outros desígnios para o país, as suas regiões e a suas cidades. Só não é possível centrarmo-nos apenas nos meios numa ritualização formalista e sem sentido e na qual ninguém nunca se poderá rever!

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