Desconfinamento. País verde, mas com 47% dos concelhos fora da zona de conforto
Há 47% dos concelhos fora da zona de conforto fixada por Costa. Os 144 concelhos com incidência superior à recomendada pelo primeiro-ministro para o desconfinamento têm uma população de seis milhões de pessoas.
Quase metade do país está fora da zona de conforto revelada por António Costa esta quinta-feira, na apresentação do plano de desconfinamento ao país. O primeiro-ministro exibiu um gráfico que determinará se Portugal poderá avançar no processo de desconfinamento ou se terá de voltar atrás na reabertura de lojas, cafés e restantes actividades.
Neste rectângulo dividido por cores e quadrantes, estão presentes dois indicadores: a incidência cumulativa a 14 dias – com o limite de 120 novos casos por 100 mil habitantes – e o índice de transmissibilidade, o famoso R(t), que deverá permanecer abaixo de 1. Se o país ficar abaixo destes números, permanece numa “zona verde” que garante a continuação do plano de desconfinamento.
Mas se a nível nacional o país regista esta sexta-feira 101 novos casos de covid-19 por 100 mil habitantes, abaixo do limite máximo do quadrante verde, o mesmo não se verifica quando analisamos os valores de incidência por municípios. De acordo com os dados mais recentes da Direcção-Geral da Saúde (DGS) sobre a incidência cumulativa a 14 dias, publicados a 8 de Março e referentes ao período de 17 de Fevereiro a 2 de Março, há neste momento 144 concelhos acima dos 120 novos casos, cerca de 47% dos municípios.
A lista abrange concelhos que atingem 60% da população do país – mais de seis milhões de pessoas, de acordo com os dados populacionais mais actualizados do Instituto Nacional de Estatística (INE).
António Costa deixou claro que, sendo a primeira fase do desconfinamento uma operação a nível nacional, um eventual recuo na reabertura dos vários sectores poderá ser avaliado a nível local, tendo em conta os concelhos de risco bem como os limítrofes.
Acima dos 120 novos casos – ou seja, no quadrante amarelo da incidência – estão todos os municípios da Área Metropolitana de Lisboa (18) e quase metade dos da Área Metropolitana do Porto (oito dos 17). Só estes 26 albergam perto de 3,5 milhões de pessoas (cerca de 2,9 milhões em Lisboa e 610 mil no Porto).
Se elevarmos a fasquia e olharmos para os concelhos com mais de 240 novos casos por cem mil habitantes, que a partir de agora passa a ser o valor a partir do qual se considera um concelho de risco extremamente elevado, há neste momento 35 concelhos que excedem esse “limite a evitar”, como referido na apresentação de quinta-feira do primeiro-ministro.
Quanto ao índice de transmissão (Rt), o relatório do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (Insa) desta sexta-feira mostra que, entre 3 e 7 de Março, Portugal estava com 0,8. Este indicador não é calculado para cada concelho, mas em termos regionais nenhuma está acima do limite de 1 estipulado pelo Governo: os Açores são a região com o valor mais alto, com 0,95, enquanto o Algarve apresenta o Rt mais baixo (0,68).
Especialistas defendem avaliação regional
O gráfico exibido por Costa “tinha a incidência e o R(t). Tendo a transmissibilidade, é uma medição nacional. Aquilo que nós propúnhamos era que a nível concelhio fosse [avaliada] a incidência do concelho e a dos concelhos limítrofes”, explica Raquel Duarte, que reforça a importância na monitorização dos concelhos limítrofes na monitorização da evolução da pandemia.
A antiga secretária de Estado, que desenhou um plano de desconfinamento que serviu de base ao plano do Governo anunciado na quinta-feira, adianta que o comportamento das populações dos concelhos terá influência na evolução do plano – por estar também relacionada com as oscilações da pandemia. “O que se prevê é que, para cada concelho, [a evolução] vai depender das medidas e comportamentos individuais e colectivos da população”, resumiu.
Na última reunião dos peritos no Infarmed, Óscar Felgueiras focou a meta dos 60 novos casos a 14 dias, metade do objectivo definido pelo Governo no gráfico de cores. Em declarações ao PÚBLICO, o matemático especialista em epidemiologia admite que possa ter sido mal interpretado na sua comunicação.
“Era um objectivo para atingir, mas não para começar a desconfinar. O que era proposto era começar já a aliviar medidas, mas o objectivo seria chegar aos 60. O Governo, no fundo, põe um objectivo que é mais ‘fácil’ de atingir, os 120. Apesar de ser mais fácil, o outro não é um objectivo taxativo: mantém-se enquanto se conseguir manter. A certa altura, vamos ter uma incidência baixa e pode ser que o R(t), mesmo estando ligeiramente acima de 1, isso não apresente uma preocupação imediata”, explica Óscar Felgueiras.
Se olharmos para este número de 60 novos casos a 14 dia, 75% dos concelhos estariam acima do limite (231 dos 308).
Quanto ao gráfico, o especialista considera que é uma “simplificação” das propostas endereçadas ao Governo pelos especialistas, considerando que a “mensagem essencial transmitida [pelo gráfico] é a correcta”. Contudo, Óscar Felgueiras chama a atenção para a necessidade de análise de outros factores para este processo de desconfinamento, tal como a ocupação em cuidados intensivos – indicador que demora a reflectir aumentos (e descidas).
Tal como Raquel Duarte, também Óscar Felgueiras defende que a avaliação do desconfinamento seja feita por concelhos, reforçando a importância dos concelhos limítrofes, explicando a proposta feita ao Governo para calcular este indicador.
“Fiquei com a ideia de que o Governo estava receptivo à proposta que fiz de utilizar aquilo que define como risco de incidência local. Consiste, para cada concelho, em considerar o próprio e os concelhos limítrofes, calculando-se a incidência nessa mini-região associada ao concelho. Se estiver no Porto, tenho como ‘vizinhos’ Matosinhos, Porto, Gaia, Maia. Considera-se a região formada pelos cinco concelhos e será essa que servirá como referência para medir o risco do Porto”, reiterou.