Saúde e setor farmacêutico: que estratégia portuguesa para a Presidência da UE?
Para que as terapias inovadoras cheguem com rapidez aos doentes, é necessário que a nova legislação europeia para a avaliação clínica de medicamentos permita celeridade e simplificação. A oportunidade da presidência portuguesa da União Europeia não deve ser desperdiçada.
A pandemia trouxe-nos dor e desolação: famílias perderam entes queridos, muitos de entre nós estão a lutar contra a imprevisibilidade da doença. As sombras do desemprego e da crise económica pairam ainda, carregadas, sobre as nossas vidas, o nosso país e o mundo.
O setor farmacêutico desenvolveu e esforça-se por escalar a produção de novas vacinas que são a luz ao fundo do túnel da presente pandemia. Cada dia que passou sem uma terapia, ou vacina eficaz e segura representou mais infeções, mais mortes.
Acelerar o processo de desenvolvimento da vacina contra a covid-19 sem saltar etapas obrigou a um grau de cooperação sem precedentes entre companhias, autoridades regulamentares, governo(s) e Academia, e só foi possível graças a um enorme esforço de investimento em investigação e desenvolvimento. O resultado foi extraordinário: tivemos uma vacina desenvolvida e aprovada no espaço de meses e não de anos. Este exemplo mostrou-nos novas formas de trabalhar em conjunto e obriga-nos agora a refletir sobre que lições retirar da pandemia.
Sendo inegáveis os ganhos em saúde que os novos medicamentos e vacinas têm permitido à humanidade, este é também o momento para questionar o papel mais lato que o setor farmacêutico deverá ter enquanto motor do conhecimento e do desenvolvimento económico para Portugal.
Se é certo que o Governo procura atrair para o país investimentos em áreas em que a indústria farmacêutica desempenha um papel primordial, como a investigação e os ensaios clínicos, os projetos de localização de fabricação avançada ou de pólos tecnológicos/ digitais, essa tarefa defronta-se em Portugal com um contexto regulamentar e de mercado onde predominam as barreiras e os atrasos no acesso a novos medicamentos inovadores. Algo que inibe o desenvolvimento da indústria e que importa corrigir quando muitos países, dentro e fora da UE, competem pela atração de investimento externo. Países onde o papel da indústria farmacêutica é reconhecido como estratégico, não só pelo seu contributo para a modernização da economia e pela criação de emprego qualificado, como pela sua capacidade ímpar de, em conjunto com a Academia, promover a investigação biomédica e clínica no país e de gerar valor para os doentes, para os sistemas de saúde e para a sociedade, aquém e além-fronteiras.
Os objetivos governamentais do desenvolvimento económico, da obtenção de melhores resultados em saúde e da contenção da despesa pública exigem um melhor equilíbrio. Tal deve ser impulsionado a nível supraministerial.
A oportunidade da presidência portuguesa da União Europeia não deve ser desperdiçada. Uma oportunidade-chave será a de acelerar a digitalização no setor da Saúde, alavancando soluções para maior eficiência no SNS e infraestruturas digitais que proporcionem mais e melhor evidência científica e transparência sobre os resultados das terapias inovadoras. Para que estas cheguem com rapidez aos doentes, é necessário que a nova legislação europeia para a avaliação clínica de medicamentos permita celeridade e simplificação, obrigando à não duplicação de procedimentos. Vital é ainda a proteção da propriedade intelectual, que sustém incentivos indispensáveis para a descoberta de novos medicamentos.
Para defender estas ideias o Governo deveria propor a imediata constituição de um Fórum Europeu de Alto Nível que reúna à volta da mesma mesa todas as partes interessadas, decisores políticos, doentes, especialistas clínicos e indústria farmacêutica, na discussão da nova Estratégia Farmacêutica Europeia.
O pior que nos pode acontecer será ficarmos presos a uma visão unilateral e ultrapassada de um futuro para o setor. A pandemia demonstrou-nos que, desprovidos de uma indústria farmacêutica robusta e com condições para inovar, teríamos hoje uma visão muito mais sombria relativamente ao nosso futuro.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico