BdP levantou “sérias dúvidas” em Janeiro de 2014 sobre capacidade de o ESFG proteger o BES
Pedro Duarte Neves, antigo vice governador com a supervisão durante a queda do BES, considera que avisos feitos sete meses antes da resolução funcionaram. PS defende que, em Janeiro de 2014, BdP devia ter sido mais enérgico.
O relatório secreto feito por João Costa Pinto, que avalia a actuação do Banco de Portugal até à resolução do BES, revela que na reunião de 13 de Janeiro de 2014, entre o Banco de Portugal (BdP), o Espírito Santo Financial Group (ESFG) e o BES, o supervisor mostrou ter “sérias dúvidas” quanto à capacidade de o ESFG proteger o BES e os seus clientes. A revelação foi feita pelo deputado do PS, João Paulo Correia, quando inquiria o ex-vice governador responsável pela supervisão na comissão parlamentar de inquérito ao Novo Banco. Para o PS, esta declaração que consta da acta da reunião devia ter levado o regulador da banca a ser mais enérgico na supervisão do BES que caiu em Agosto do mesmo ano.
Durante o inquérito, João Paulo Correia recorreu a uma passagem do relatório de João Costa Pinto para argumentar que o BdP devia ter actuado mais cedo no caso BES. “Pedro Duarte Neves levantou sérias dúvidas quanto à capacidade de a ESFG dar cumprimento às determinações do BdP”, disse, referindo-se a uma passagem da acta da reunião presente no relatório.
O deputado socialista defendeu que com esta declaração tinha de haver uma “reacção enérgica” do BdP. Pedro Duarte Neves admitiu que a declaração é forte e adiantou que o que estava em causa era explicar ao grupo que tinha de implementar as medidas do ring-fencing (a estratégia para proteger o BES e os seus clientes do que se passava no ESFG).
"Foi um elemento de persuasão” que “pelos vistos funcionou”, diz o Pedro Duarte Neves. “Funcionou?”, perguntou o deputado do PS. O antigo responsável pela supervisão do BdP revelou ainda - antes de o deputado lhe citar a sua frase que está no relatório Costa Pinto - que a carta (que foi apresentada aos líderes do universo BES naquela reunião) acabava a dizer que “no caso de o BES não concretizar as medidas, podíamos considerar que havia sinais de não haver gestão sã e prudente”.
As audições na comissão de inquérito ao Novo Banco começaram esta semana com a inquirição de João Costa Pinto que defendeu que o supervisor devia ter actuado antes e que tinha condições para o fazer. Esta posição foi contestada na manhã desta sexta-feira pelo director do departamento de supervisão, Luís Costa Ferreira, que afirmou que o banco central foi “enérgico e intrusivo” na supervisão do BES.
BdP propôs capitalização maior do Novo Banco
O Banco de Portugal propôs ao Governo no dia da resolução do BES uma capitalização de 5,5 mil milhões do Novo Banco, mas o valor não foi aceite, acabando por ser menor. O valor foi confirmado esta sexta-feira pelo ex-vice-governador do Banco de Portugal. O responsável recusou, porém, que dali resultasse uma subavaliação das necessidades inicias de capital do banco que nasceu do fim do BES.
“O valor que foi apresentado era 5,5 [mil milhões de euros]”, respondeu Pedro Duarte Neves que depõe na comissão parlamentar de inquérito ao Novo Banco. De manhã, o director do departamento de supervisão do Banco de Portugal, Luís Costa Ferreira, referiu que o supervisor tinha proposto uma almofada de 500 milhões de euros.
Duarte Neves referiu que a reunião que aconteceu na manhã de 3 de Agosto - o dia da resolução do BES - e que aconteceu no Ministério das Finanças “não foi conclusiva, o valor não ficou fechado”, mas recordou que em “situações destas há a regra de usar o mínimo de fundos públicos possível”. “Foi nessa base que se convergiu para os 4,9 mil milhões de euros e não para os 5,5 mil milhões de euros”, disse.
Apesar disso, o antigo vice-governador do Banco de Portugal não considera que um valor de capitalização menor do Novo Banco tenha gerado insuficiências de capital. “Os 5,5 [mil milhões] davam uma folga de capital um bocadinho maior do que aquela que acabou por acontecer, mas não eram estritamente necessários à luz dos enquadramentos vigentes na altura”.
Perante os deputados da comissão parlamentar de inquérito, Pedro Duarte Neves mostrou-se desconhecedor de detalhes sobre operações concretas relacionadas com a resolução e a definição do balanço do Novo Banco. E por mais de uma vez o presidente da comissão de inquérito, Fernando Negrão, perguntou ao ex-vice governador se não conseguia prestar essa informação por causa do “decurso do tempo” ou porque não esteve envolvido ou porque não se lembra.
Uma das questões que Duarte Neves não conseguiu explicar, por exemplo, foi a mudança de alguns créditos do balanço do BES para o balanço do Novo Banco já depois da resolução. “Não estou em condições de lhe dar a resposta. Provavelmente por haver alguma possibilidade de recuperação dos créditos”. Fernando Negrão pediu um “esforço” de memória a Pedro Duarte Neves, tendo o ex-vice-governador mostrado disponibilidade para prestar todos os esclarecimentos.
No entanto, houve outros momentos em que Pedro Duarte Neves não foi concreto nas respostas aos deputados. O responsável mostrou-se desconhecedor da acta de 14 de Agosto de 2014 do Novo Banco onde a instituição financeira revelava insuficiências de capital face à dotação inicial. “Não conheci essa acta”, disse, não conseguindo garantir que o banco tivesse entrado em contacto com o Banco de Portugal e lembrou que as matérias de resolução eram tratadas pelo “colega vice-governador com responsabilidades na resolução”.
O mistério dos dois clientes do BES
Um dos momentos quentes da audição aconteceu quando Pedro Duarte Neves foi questionado sobre uma “nota interna de 1 de Março de 2013 referente à supervisão de dois clientes particulares do BES”. O deputado do PS João Paulo Correia quis saber quem eram estes dois clientes - a nota interna segundo explicou é referida no relatório secreto de João Costa Pinto sobre a actuação do supervisor até à resolução. Duarte Neves disse que se tratava de dois clientes com obrigações, tendo o Banco de Portugal identificado “exposição” e reportado à Comissão de Mercado e Valores Mobiliários (CMVM). Mas não disse os nomes dos clientes e pediu mais informações sobre a nota interna.
João Paulo Correia insistiu no pedido dos nomes, argumentando que “não é muito habitual uma nota interna sobre dois clientes particulares do BES”. “O caso que me lembro é o de dois clientes que estavam a comprar obrigações do BES”, disse, mas acrescentou que não pode saber quem eram os dois clientes. “Faça uma pergunta ao Banco de Portugal. Eu não tenho acesso a esse tipo de informação. Não sei quem eram os clientes”, disse. "Como poderia saber?”, perguntou. O deputado socialista explicou que no relatório de Costa Pinto apenas uma nota se refere a dois clientes em particular - “é um caso singular”, afirmou. Duarte Neves disse que não tinha como “ter os nomes na cabeça”, mas que mesmo que soubesse não o poderia dizer na comissão de inquérito. O presidente da comissão de inquérito, Fernando Negrão, interveio para avisar Duarte Neves da “singularidade” daquela nota que destaca dois clientes num universo tão vasto. Duarte Neves justificou serem clientes “anónimos”, o que irritou Fernando Negrão que perguntou se há clientes sem nome.