Esta artista tem como missão alterar a definição misógina de mulher no dicionário indonésio
A artista Ika Vantiani ficou perplexa ao descobrir que, no dicionário oficial da Indonésia, perempuan (em português, mulher) era definida como amante, prostituta, imoral, má. Desde 2016 que faz campanha pela mudança dos termos, através da arte.
Sexualmente imoral, amante, prostituta, mulher má: estas são apenas algumas das nove palavras que chocaram a artista Ika Vantiani, quando as encontrou na entrada para perempuan (mulher, em português) do dicionário oficial da Indonésia.
Todas as nove palavras eram termos sexualizados ou depreciativos. Em contraste, na entrada para laki-laki, uma das palavras para homem, há apenas um exemplo de sinónimo, laki-laki jemputan, que significa “homem escolhido como genro”. Pria, uma outra palavra para homem, também indica apenas uma expressão: pria idaman, ou “quebra-corações”.
Desde que fez esta descoberta, em 2016, Ika tem feito uma campanha pela mudança através da sua arte. Colecciona regularmente edições do Kamus Besar Bahasa Indonesia, o dicionário padrão utilizado nas escolas e pelos professores, compilado por uma agência do governo.
“Perempuan jalang significa, na verdade, galdéria. Esta é a única palavra que continua a aparecer em cada edição”, disse Ika, citada pela Reuters. “O destaque é dado a exemplos de palavras como pelacur ou jalang - que significa prostituta, mulher que gosta de se vender, mulher suja, amante.”
Em Novembro de 2020, a Oxford University Press afirmou que iria alterar as entradas para “mulher” nos seus dicionários para incluir descrições mais positivas e activas, e Ika espera por um desfecho semelhante.
A campanha tem chamado a atenção para o que os críticos dizem ser uma cultura patriarcal no maior país de maioria muçulmana do mundo. Ika ganhou também o apoio da Comissão Nacional para a Violência contra as Mulheres na Indonésia, que este ano apelou a uma revisão.
A linguagem, disse a Comissão, “desempenhou um papel importante na construção dos valores da igualdade de género e da eliminação da violência contra as mulheres”.
Ika e o seu colega, Yolando Zelkeos Siahaya, destacaram a questão numa série de workshops e exposições, incluindo numa galeria nacional indonésia em 2018.
Uma obra apresentava placas de acrílico transparente com a entrada do dicionário para perempuan (mulher), impressa sobre elas para que os espectadores pudessem imaginar-se a ser mencionados dessa forma.
“A maioria das pessoas fica chocada quando vê esta minha obra”, contou Ika. “Dizem: ‘Nunca imaginei que a palavra ‘mulher’ fosse assim definida no nosso dicionário'”.
Em Fevereiro de 2021, o seu trabalho, que inclui t-shirts que pedem uma alteração na entrada do dicionário e foram usadas numa marcha feminista em 2020, provocou uma resposta de Badan Bahasa, a agência responsável pelo dicionário.
A utilização dos termos, disse a agência, baseou-se em dados que mostraram que estavam entre os mais frequentemente utilizados em conjunto com perempuan.
“Quanto ao retrato social que transparece da apresentação de informação no dicionário não ser o ideal, isso é outra discussão”, afirmou numa declaração publicada no seu site.
A resposta deixa perplexo o linguista Nazarudin, da Universidade da Indonésia, que diz que os dados sobre a língua indonésia de 2013 recolhidos pela Universidade de Leipzig mostram que outras expressões, como empoderamento das mulheres ou direitos das mulheres, foram muito mais frequentemente utilizadas. “A questão é: que tipo de dados tinham eles?” perguntou Nazarudin. “Como podem ser tão negativos?”
Uma pesquisa no Google mostra que existem 98 milhões de resultados para hak perempuan, que significa direitos das mulheres, em comparação com apenas 481 mil entradas para jalang perempuan, a palavra para “galdéria”.
Badan Bahasa disse à Reuters que, para além dos dados da Universidade de Leipzig, também se baseava no Malay Concordance Project, um conjunto de textos clássicos malaios.
Ika diz que tem esperança em relação à mudança. “Não estou a dizer que quero que tudo seja transformado em palavras positivas”, disse, citada pela Reuters. “Não. Mas quero objectividade e conversas reais”.