Em meu nome não, sr. primeiro-ministro!
António Costa não fala por mim, como tal comparação, colocando no mesmo plano Mamadou Ba e André Ventura, me merece a mais firme e veemente repulsa e condenação.
Na sua recente entrevista ao PÚBLICO, o primeiro-ministro António Costa, instado a comentar sobre os debates actuais em torno do racismo, do colonialismo, e da memória histórica, respondeu com uma comparação absurda e inaceitável, colocando no mesmo plano Mamadou Ba, umas das figuras de proa do movimento anti-racista no nosso país, recentemente vítima de uma campanha anti-democrática exigindo a sua deportação, e o deputado do partido de extrema-direita André Ventura.
Essa comparação, sendo ofensiva por si mesma, reveste-se para mim e para muitas pessoas como eu de uma gravidade adicional, dado que se respalda numa invocação prévia da sua condição enquanto “pessoa de origem indiana”. Enquanto cidadão português que partilha com o primeiro-ministro do país essa mesma condição, vejo-me compelido a afirmar publicamente, e nos mais claros e inequívocos termos, que não apenas António Costa não fala por mim, como tal comparação me merece a mais firme e veemente repulsa e condenação.
Ao efectuar essa comparação, António Costa ensaia um discurso que mais não faz que declinar pela enésima vez a estafada “teoria da ferradura”, tão cara a todos os fundamentalistas do extremo-centro. Reza tal doutrina que os extremos se tocam, representam apenas minorias irrelevantes e é na zona do centro, seja lá o que isso for, que o virtuoso senso-comum e bom-senso se encontra. Tão poderoso é este fundamentalismo ideológico, que faz o nosso primeiro-ministro ignorar que, para os racistas, pessoas não-brancas, como somos ambos, em pouco diferem de Mamadou Ba.
Tal tomada de posição não pode no entanto surpreender quem tenha prestado o mínimo de atenção a detalhes significativos do seu percurso político. Afinal, trata-se do mesmo primeiro-ministro que não teve pejo em elogiar o regime ultra-reaccionário Hindutva de Narendra Modi, e que, na mesma entrevista, caracteriza a Índia contemporânea usando o chavão da “maior democracia do mundo”, sem uma palavra acerca dos pogroms contra muçulmanos, dos ataques e da repressão violenta contra a esquerda, os movimentos de trabalhadores e camponeses, o movimento estudantil, ou a violenta ofensiva contra o povo de Kashmir.
Num caso como noutro, Costa é um exemplo claro do que refere Arundhati Roy, quando denuncia “os liberais sofismantes, que tendo passado anos a construir a estrada que conduziu à situação em que nos encontramos, agora se comportam como coelhos chocados e virtuosos que nunca imaginaram que coelho era um ingrediente importante do guisado que sempre esteve no menu.” Já Mamadou Ba luta, como sempre lutou, pela democracia, pela justiça e contra o racismo e contra o fascismo, em Portugal e em qualquer parte do mundo.
Quem defende a democracia e a igualdade, não pode senão estar ao lado de Mamadou Ba e dizer que não, que a fractura entre o racismo e o anti-racismo é real e não artificial, e que a liberdade está apenas de um desses lados, e que esse lado é o lado de Mamadou Ba.
Mamadou Ba fica, e nós, os que não titubeamos, que não capitulamos, e que não equivocamos, ficamos com ele.