Hungria e Polónia entregam recurso judicial contra o Mecanismo do Estado de direito
Como prometido, Budapeste e Varsóvia avançaram para o tribunal de Justiça da UE. Alegam que o regulamento que estabelece o novo regime de condicionalidade das transferências financeiras de Bruxelas vai contra as disposições do tratado.
Os governos da Hungria e da Polónia entregaram esta quinta-feira, no Tribunal de Justiça da União Europeia, o prometido pedido para a averiguação da conformidade do regulamento do novo Mecanismo de Estado de Direito com a legislação europeia — uma manobra dilatória para atrasar o início da aplicação do regime de condicionalidade das transferências de Bruxelas ao respeito das normas democráticas.
Curiosamente, o recurso judicial deu entrada no mesmo dia em que os parlamentares europeus pressionaram a Comissão Europeia a fazer uso deste novo instrumento para travar o acesso destes dois Estados membros às verbas do orçamento comunitário. O financiamento europeu corresponde a 3,3% do Produto Interno Bruto da Polónia e representa 4,5% da riqueza produzida pela Hungria.
Num debate em que participou o comissário europeu com a pasta do Orçamento, Johannes Hahn, os eurodeputados censuraram a inacção do executivo perante a deterioração da situação nos dois países contra os quais foram abertos procedimentos de infracção ao abrigo do artigo 7.º do Tratado da UE, por desrespeito das regras do Estado de direito. Na sua opinião, o executivo arrisca frustrar as expectativas dos cidadãos, e perder a sua credibilidade, se continuar à espera para accionar o novo mecanismo.
Budapeste e Varsóvia pediram ao Tribunal de Justiça da UE para confirmar se, tal como está desenhado, o regulamento que estabelece o regime de condicionalidade das transferências de Bruxelas, e permite que estas sejam reduzidas ou até suspensas, respeita as disposições dos tratados europeus.
O entendimento da Polónia é de que “este género de soluções não tem fundamento nos tratados, são uma ingerência nas competências nacionais dos Estados membros e violam a legislação da União Europeia”, justificou o executivo, em comunicado. “A UE não tem competências para definir a noção de Estado de direito ou fixar os critérios de apreciação do respeito dos princípios subjacentes”, lê-se no documento, publicado na página oficial do Governo.
Para a ministra da Justiça da Hungria, Judith Varga, o mecanismo do Estado de direito “constitui uma grave violação da lei europeia e não pode entrar em vigor”. Apesar de isso já ter acontecido no dia 1 de Janeiro, os líderes europeus fecharam um “entendimento” com a Hungria a Polónia, e aceitaram suspender a aplicação do novo regime de condicionalidade até estarem desfeitas as “dúvidas” levantadas pelas duas capitais sobre a base jurídica do regulamento.
Em troca, Budapeste e Varsóvia levantaram a ameaça de veto à proposta do quadro financeiro plurianual para os próximos sete anos e do fundo de recuperação da crise, o histórico pacote global de 1,8 biliões de euros que foi negociado pelos líderes europeus em Julho e aprovado na cimeira de Dezembro.
A queixa ao tribunal permite aos dois países ganhar algum tempo até terem de prestar contas à Comissão sobre a independência dos seus sistemas judiciais, sob risco de perder o financiamento europeu. O prazo para a avaliação de uma queixa deste tipo pelo Tribunal de Justiça da UE pode chegar aos 18 meses (embora nada impeça os juízes sediados no Luxemburgo de avançar de forma mais expedita): o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, garante assim que o seu governo não sofrerá sanções antes das legislativas de 2022.
O porta-voz da Comissão Europeia, Eric Mamer, reafirmou esta quinta-feira a confiança do executivo na adequação do regulamento do Mecanismo do Estado de direito às disposições dos tratados, e confirmou que o executivo “vai aguardar pelo desfecho do processo em tribunal” para accionar este instrumento.
Ao mesmo tempo, este responsável garantiu que o sistema de monitorização previsto pelo regulamento está a funcionar, e que todas as situações que possam ser “comprometedoras” para a integridade do orçamento europeu ou os interesses financeiros da União serão sinalizadas. Segundo Mamer, a Comissão “não deixará de agir” se forem detectadas violações das regras e outras anomalias. “Nenhum caso será perdido”, vincou.