O vírus não ataca apenas as escolas públicas
Excluir as escolas privadas dos testes só se explicaria por manifesta falta de ponderação, ou, mais grave ainda, por manifesta atitude persecutória que denuncia uma aversão ao sector privado e às famílias que, no uso da sua liberdade, o escolheram para a educação dos seus filhos.
“Inadmissível”, “discriminatório”, “inaceitável”… As reacções à decisão do Governo que limitava a realização de testes à covid-19 ao sistema público de ensino têm oscilado entre a incompreensão e a indignação e ambas as atitudes são justificadas e compreensíveis. Que o Estado compre apenas computadores para as escolas públicas compreende-se e aceita-se; que recuse financiar o sistema privado com verbas do Orçamento do Estado discute-se, mas compreende-se à luz de uma determinada, e legítima, visão política e ideológica da educação. Mas, quando se chega à esfera de uma iniciativa que pretende defender a saúde colectiva através da realização de testes, a trincheira entre o público e o privado construída pelo Governo é absurda e inaceitável.
Não admira assim que, após alguns dias de críticas da oposição, de queixas dos representantes do ensino privado ou da perplexidade de muitos cidadãos o Governo tivesse revisto os seus planos. Aplaude-se o recuo – mas não se pode esquecer a primeira intenção. A garantia de que os testes são para todos e não para alguns é bem mais do que uma questão de justiça ou de saúde pública: é uma questão de decência política.
Houve um recuo, porque a intenção do Governo discriminava alunos, professores e as suas famílias no acesso a um bem comum. Se a ideia de fazer testes à covid-19 à população escolar, meritória e aplaudida pelos epidemiologistas, tem como objectivo monitorizar a circulação do vírus e travar a sua expansão, que sentido faz restringi-lo apenas a uma parte dos alunos e professores? Estando em causa um plano de defesa da saúde dos portugueses, todos os portugueses devem contar. Excluir as escolas privadas da equação só se explicaria por manifesta falta de ponderação, ou, mais grave ainda, por manifesta atitude persecutória ao sector privado e às famílias que, no uso da sua liberdade, o escolheram para a educação dos seus filhos.
O Governo mudou e passou a tratar todos os cidadãos por igual, porque discriminar os jovens e as suas famílias apenas por causa de uma escolha era inexplicável até para a esquerda sensata. Numa democracia não se pode punir pessoas pelas suas escolhas. Se a intenção era criar um anátema e afastar as escolas privadas do leque natural das opções dos pais, as armas e os argumentos escolhidos para o fazer foram errados e iníquos – porque, para lá da provável violação do princípio constitucional da igualdade, os testes feitos aos jovens não interessam apenas aos próprios: interessam a todos. O Governo recuou e fez bem. A bondade, porém, não basta para espantar os fantasmas do preconceito instituído contra os privados. Eles já existiam e ficaram consolidados.
Editorial actualizado às 22h37: foi acrescentada a informação de que os colégios privados também realizarão testes rápidos quando forem retomadas as aulas presenciais.