Estado australiano abre investigação histórica sobre efeitos da colonização na população aborígene
Milhares de aborígenes foram massacrados entre os séculos XVIII e XX. Investigação no estado de Vitória abre a discussão sobre o passado histórico da Austrália e segue os passos que alguns países já deram.
O estado de Vitória vai realizar a primeira investigação na Austrália para analisar os efeitos da colonização nos aborígenes. Uns dos aspectos a investigar são os efeitos da expropriação e genocídio da população local durante o período de ocupação britânica, bem como as injustiças que se perpetuaram.
Esta terça-feira foi anunciada a Comissão de Justiça Yoo-rroock, cujo nome foi inspirado na palavra “verdade” do grupo aborígene Wemba Wemba/Wamba Wamba, elemento integrante de um processo histórico em curso. Esta é a primeira comissão a quem serão concedidos privilégios de uma Comissão Real.
“Estamos atrasados 233 anos”, lê-se na declaração conjunta do estado e de vários líderes indígenas: foram “233 anos de violência, expropriação e privação, 233 anos de silêncio deliberado. Hoje comprometemo-nos a contar a verdade”.
“Os nossos antepassados foram vítimas de genocídios, massacres”, denuncia Aunty Geraldine Atkinson, membro dos grupos aborígenes Bangerang e Wiradjuri, acrescentado que o processo apenas irá “aproximar maioria da comunidade, que assim irá entender o impacto de injustiças passadas e o trauma que os nossos jovens enfrentam, que se transmite de geração em geração”. O processo, considera Atkinson, será doloroso, mas necessário.
Entre 1836 e 1856 milhares de indígenas foram massacrados às mãos de colonizadores que se fixaram no estado de Vitória, segundo consta numa investigação levada a cabo pela Koorie Heritage Trust, uma organização cultural indígena sem fins lucrativos.
Já a edição australiana do diário britânico The Guardian indica que há dados de massacres entre 1788 até 1928, segundo uma investigação em parceria com a Universidade de Newcastle, que inclui uma página interactiva que mapeia vários massacres ocorridos no país.
James Merlino, número dois do governo do estado de Vitória, refere que a investigação obriga a população “a confrontar o nosso passado e que “sem a verdade, nem justiça”, não pode haver uma “reconciliação para todos os vitorianos”. “Porque, passados 233 anos, os vitorianos aborígenes continuam a experienciar condições muito piores do que os vitorianos não-aborígenes”, conclui.
O anúncio da investigação foi bem recebido pelos clãs aborígenes, que representam 3% da população australiana, e que têm vindo a apelar por uma comissão de justiça e de verdade como elemento necessário para negociações entre aborígenes e não-aborígenes.
Em 2017 já tinha sido feita uma proposta, também sem precedentes, que ficou conhecida como Declaração do Coração de Uluru, que propunha uma reforma constitucional que incluísse os grupos aborígenes e das Ilhas do Estreito de Torres e que tinha o objectivo semelhante de abrir a discussão e a negociação. Porém, a proposta ficou sem efeito.
O processo foi assinalado ainda em Julho do ano de 2020 e, de acordo com os media locais, é inspirado no inquérito de Nelson Mandela no pós-apartheid da África do Sul, e noutras investigações que foram realizadas no Canadá e na Nova Zelândia. As audiências estão programadas para começar este ano e um relatório interno será apresentado daqui a um ano.