Como controlar a pandemia de covid-19 durante o desconfinamento?
Apresentação de Baltazar Nunes, epidemiologista do Instituto Ricardo Jorge, abordou metas para manter o vírus sob controlo. Incidência nacional é a mais baixa da Europa.
São seis os indicadores que servem para dizer aos especialistas se a situação pandémica em Portugal está ou não sob controlo. Esta segunda-feira, na reunião na sede do Infarmed, o epidemiologista Baltazar Nunes, membro da equipa de investigadores do Instituto Ricardo Jorge, revelou os pontos que devem ser tomados em conta, de modo a avaliarmos correctamente a pandemia de covid-19.
Antes de passarmos para as propostas, é importante relembrar que o especialista traçou, logo nos momentos iniciais da intervenção, os três objectivos principais: controlar a transmissão da infecção na comunidade e grupos de risco; assegurar a sustentabilidade e qualidade dos serviços de saúde — para doentes covid e pacientes com outras patologias; minimizar o impacto social e económico das medidas de saúde pública.
O documento em que estes indicadores estão trabalhados resultou da colaboração estreita de várias entidades: Direcção-Geral da Saúde, Escola Nacional de Saúde Pública, Instituto Ricardo Jorge e Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Analisemos agora os indicadores defendidos pelos especialistas e que, vincou Baltazar Nunes, devem ser avaliados de forma global.
Incidência
Baltazar Nunes defendeu que um dos pontos principais no controlo da pandemia passa por garantir que a incidência do vírus decresce lentamente. Se tal não for possível, é necessário garantir que a variação deste índice é feita em torno de um valor baixo, de modo a garantir o controlo sobre a transmissão da covid-19.
“O objectivo seria assegurar que a taxa de incidência acumulada a 14 dias estaria abaixo dos 60 casos por 100 mil habitantes. Uma transmissão controlada significa maior eficiência do rastreio de contactos, maior eficiência do controlo da infecção e menor impacto da epidemia nos serviços de saúde e melhor funcionamento da sociedade”, explicou Baltazar Nunes.
Depois de definir esta meta, o epidemiologista traçou a primeira “linha vermelha”, que o país não deve ultrapassar se quer evitar uma pressão forte nos serviços de saúde: “Consideramos como limite a evitar os 240 casos por 100 mil habitantes, uma vez que este é um indicador que tem sido na revisão de literatura o mais indicado como o limite a partir do qual começa a haver pressão sobre os serviços, alguma perturbação da sociedade.”
Para não ultrapassar este limite, o país precisa de registar em média menos de 1765 casos diários.
É ainda importante que o índice de transmissibilidade – o R(t) – permaneça abaixo de 1. Se isso não acontecer, o número diário de infecções tem de ser obrigatoriamente baixo, para compensar esta falha. “Se estiver próximo de 1, é necessário que a incidência esteja abaixo dos 60 casos por 100 mil habitantes, ou seja, com uma tendência constante mas um número de novos casos diários baixo.”
Testagem
A identificação de casos assintomáticos – e isolamento atempado – é essencial para evitar que a epidemia cresça. Nesse sentido, Baltazar Gomes aponta para uma taxa de positividade inferior a 4%.
“Quando isto não é verificado há uma maior probabilidade de haver casos não identificados na comunidade. Quando isso acontece, isso indica que os indivíduos estão infecciosos durante muito tempo e a transmitir a infecção. Por isso é importante que este indicador esteja em valores que nos assegurem que indivíduos assintomáticos estão a ser identificados.”
Ainda neste tema da testagem, os especialistas defendem que a notificação do resultado após o teste deve ser agilizada. Ou seja, Baltazar Nunes considera que o atraso nesta notificação – mais de 24 horas para saber o resultado após a testagem – não deve abranger mais de 10% dos casos confirmados. “Quanto mais tarde é feita a notificação, mais tarde é identificado o caso, os seus contactos, mais indivíduos infecciosos andam na população a transmitir a infecção.”
O epidemiologista destaca ainda a importância de ter 90% dos casos em isolamento – com respectivo rastreio de contactos – em menos de 24 horas.
Pressão nos cuidados intensivos
Relativamente ao impacto nos serviços de saúde, os especialistas consideram que a taxa de ocupação de camas em cuidados intensivos deve ser inferior a 85% da capacidade aberta após Março de 2020. Ou seja, a capacidade de cuidados intensivos antes do início da pandemia deve manter-se completamente disponível para doentes com outras patologias.
“O valor identificado pelo doutor João Gouveia [presidente da Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos] e pela unidade responsável é de cerca de 245 camas, que representa 85% da capacidade”, reitera.
As variantes
A vigilância e controlo das chamadas variantes de preocupação é um ponto importante no controlo da pandemia. Como Baltazar Nunes explicou, estas mutações do vírus acarretam riscos acrescidos face à infecção original.
“Estamos a falar de variantes de preocupação que podem ser mais transmissíveis, cuja infecção pode traduzir-se numa doença mais graves ou fugas ao sistema imunitário, permitindo o aumento da probabilidade de reinfecções ou reduzida efectividade das vacinas”, finalizou.
Quando chegaremos a estes números?
No início da apresentação, Baltazar Nunes fez uma análise aos números da pandemia. De acordo com as projecções, o número de pessoas em cuidados intensivos irá baixar durante Março. No final do mês, prevê Baltazar Nunes, o número de doentes poderá baixar até aos 120, número em linha com o limite estabelecido nos indicadores de controlo da pandemia.
“As nossas projecções falharam por excesso, o que é bom. Actualmente, a meio de Março, projecta-se uma ocupação de cuidados intensivos de 240 doentes e, no final de Março, projecta-se uma ocupação de 120 doentes internados em cuidados intensivos”, revelou Baltazar Nunes.
Relativamente à incidência, o epidemiologista diz ser provável que no dia 15 de Março, daqui a exactamente uma semana, a incidência acumulada esteja “numa situação muito perto” dos 60 casos por 100 mil habitantes, bem como da ocupação “desejada” nos cuidados intensivos.
A vacinação tem contribuído para este alívio nos serviços de saúde, considera, destacando a queda na transmissibilidade do vírus junto das pessoas com 80 ou mais anos. A média nacional do R é de 0,74, o valor mais baixo em toda a Europa.