A covid-19 e as mulheres. Uma pandemia dentro da pandemia
Hoje é Dia Internacional da Mulher. Num tempo de tantos recessos, celebremo-lo fazendo em coro a reafirmação da igualdade. Elogiando o poder fecundo da diversidade e arquitetando juntas o amanhã a que temos direito.
Ensina a história do mundo que a tempestade se abate, particularmente, sobre os mais vulneráveis. Os mais pobres e os doentes, as crianças, as mulheres e os mais velhos. Mas se as crianças e os mais velhos partilham entre si uma espécie de fragilidade biológica, tropeçando numa desproteção que é fruto da imaturidade ou da deterioração físicas, o caso das mulheres é mero produto cultural; fabricação de inúmeras camadas de preconceito, alimentadas por uma persistente e desviante ideologia de género.
Em 2020, o Conselho de Direitos Humanos da ONU organizou um debate virtual sobre o impacto da pandemia de covid-19 nas mulheres. Vários especialistas explicaram como as quarentenas e o encerramento das escolas contribuíram para um aumento da violência de género, especialmente a violência doméstica, e falaram de uma ameaça suplementar a todas as meninas e mulheres do mundo, não por qualquer vulnerabilidade que possuam, mas devido à discriminação e à desigualdade pré-existentes. Para elas, “é como uma pandemia dentro da pandemia”, afirmou a diretora de Direito ao Desenvolvimento, Peggy Hicks.
De facto, a pandemia teve maior impacto na mulher do que no homem, já que, trabalhando mais vezes em situação de precariedade, as mulheres mais facilmente perderam o emprego. Os empregos femininos conhecem uma maior exposição aos riscos. O início das nossas manhãs, na pandemia e fora dela, é muito povoado por mulheres que se deslocam para o trabalho: na fábrica, nas limpezas de espaços comerciais e de serviços; no serviço doméstico por conta de outrem.
Por outro lado, muitas das mulheres que mantiveram o emprego vêem-se a braços com jornadas sem descanso de teletrabalho e assistência à família. Correm pela casa tentando assumir múltiplas personalidades como o poeta dos heterónimos: agora a profissional, depois a mãe que se ocupa da comida e dos banhos e que ainda procura explicar os mistérios da sintaxe ao filho.
E vivem a culpa agravada pelo que não corre bem: na família, no trabalho, tudo sempre em casa, numa simbiose nunca perfeita.
Infelizmente, muitas mulheres têm ainda uma vida mais difícil pela sua condição de mulheres. Auferem menores salários, vêem dificultada a conciliação entre a vida familiar e profissional, sacrificam o normal desenvolvimento da vida pessoal e familiar na expetativa, quantas vezes vã, de que a disponibilidade e devoção com que exercem a profissão lhes melhore as perspetivas de carreira.
O Gender Equality Index 2019 aponta Portugal como o país que maior progressão conheceu em matéria de igualdade de género na União Europeia. Esses avanços levam-nos, por vezes, ao esquecimento do absurdo da interdição do exercício de certas profissões ou da figura do “chefe de família”, encarnada num marido com poderes tutelares. Mas sabemos que nada se pode ter por garantido. E mantemo-nos em estado de alerta com a exigência de que se façam ainda mais progressos.
Hoje é Dia Internacional da Mulher.
Num tempo de tantos recessos, celebremo-lo fazendo em coro a reafirmação da igualdade. Elogiando o poder fecundo da diversidade e arquitetando juntas o amanhã a que temos direito.
Termino fazendo minhas as luminosas palavras do Papa Francisco: “Agradeço a todas as mulheres que, todos os dias, procuram construir uma sociedade mais humana e acolhedora.”
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico